Pular para o conteúdo principal

Mandatário de Tietê emplaca terceirização

O olhar perdido costuma ser sintoma de preocupação. As órbitas fixam algo no horizonte, mas a mente vai muito além, viaja percorrendo o insondável, remoendo coisas desagradáveis. É que o rosto sempre está contraído ou exibe uma expressão de tristeza. O corpo denota esse estado de espírito: braços prostrados, mãos sem jeito, ombros arqueados. Nessas situações a mente doideja e o corpo segue, dócil, os desarranjos da fantasia. Quem enfrenta problemas graves em algum momento da vida, muitas vezes, fica nesse estado. Embaraços financeiros são motivo frequente.
Nas andanças pela vida, já vi muito trabalhador com esse aspecto por aí. Gente marchando no calote por serviços prestados, por produtos vendidos, em ocupações precárias com remuneração instável. E também trabalhadores terceirizados, que desempenham suas funções em empresas privadas e no serviço público. Dizem que situações do gênero vão mudar: a novíssima legislação aprovada na quarta-feira, regulamentando a terceirização, pretende proteger os trabalhadores. É o que afirmam seus patrocinadores.
Terceirização é sinônimo de precariedade: os apóstolos desse sistema desfiam vantagens, repisam bordões, engatam frases feitas, mas acabam tangenciando a questão central: para o patrão, a terceirização é um ótimo negócio. E, basicamente, só para ele. A lei antiga, de 1998, desenterrada sob medida pelos patrões encastelados na Câmara dos Deputados, é um atentado à civilidade, à pretensa modernidade do século XXI. Só poderia passar mesmo sob as bênçãos de um governo crivado de suspeitas de corrupção e alçado ao poder mediante uma manobra traiçoeira.
Aprovar a lei argumentando que se visa assegurar direito de trabalhador não passa de empulhação, de mentira abjeta. Não foi à toa que a chamada grande imprensa mal abordou o tema no noticiário. Poderia provocar suspeitas, estimular alguma reação. Não: melhor relegá-la ao silêncio para colher os frutos adiante. Letárgico, o brasileiro vai assistindo, passivamente, aos seus parcos direitos sendo desmontados um a um.

Lei Áurea

Quando o controverso Michel Temer – o mandatário de Tietê – fez aquele discurso primoroso sobre a mulher em 8 de março, houve quem apostasse que, pelo andar da carruagem, em 13 de maio a Lei Áurea poderia ser revogada. Nem precisou tanto tempo: alguns passos foram dados com a lei da terceirização. Agora, vai se tornar normal contratar funcionário temporário por longos intervalos. E mandá-lo embora e readmiti-lo depois, num ciclo infinito no qual o infeliz não terá direitos trabalhistas a reclamar: a lei, agora, permite isso.
Mas mesmo os terceirizados com direitos supostamente garantidos não deverão ficar muito esperançosos: é longo o caminho da Justiça até que decisões judiciais o favoreçam. E é amplamente liberal a legislação sobre as empresas que vão intermediar mão-de-obra, incluindo aí o patrimônio para quitação de débitos com trabalhadores. As pendengas devem se arrastar durante décadas e poucos persistirão até que prevaleçam seus direitos.
A imprensa diligente trombeteia que mais empregos serão gerados a partir da precarização travestida de terceirização. Os exemplos, todavia, não são pujantes pelo mundo. Basta observar a Europa que emergiu após a crise de 2008. Também se fala gulosamente dos saltos de produtividade, do crescimento econômico, do impulso ao desenvolvimento e de outras sentimentalidades. É até comovente ver tanto benefício.
Pelas evidências, tudo balela: os salários declinarão; direitos serão extintos; a precariedade crescerá; as desigualdades se aprofundarão; e os festejados efeitos positivos da liberalização serão contrabalançados pelo acesso mais restrito à festa do consumo. Nada de novo no front econômico, portanto.
Daqui por diante, quem sobreviver, verá.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

O futuro das feiras-livres

Os rumos das atividades comerciais são ditados pelos hábitos dos consumidores. A constatação, que é óbvia, se aplica até mesmo aos gêneros de primeira necessidade, como os alimentos. As mudanças no comportamento dos indivíduos favorecem o surgimento de novas atividades comerciais, assim como põem em xeque antigas estratégias de comercialização. A maioria dessas mudanças, porém, ocorre de forma lenta, diluindo a percepção sobre a profundidade e a extensão. Atualmente, por exemplo, vivemos a prolongada transição que tirou as feiras-livres do centro das atividades comerciais. A origem das feiras-livres como estratégia de comercialização surgiu na Idade Média, quando as cidades começavam a florescer. Algumas das maiores cidades européias modernas são frutos das feiras que se organizavam com o propósito de permitir que produtores de distintas localidades comercializassem seus produtos. As distâncias, as dificuldades de locomoção e a intermitência das safras exigiam uma solução que as feiras...