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Patranhas do (Sub)desenvolvimento


Durante muito tempo se cultivou a idéia de que o desenvolvimento econômico era assunto para os técnicos do governo. E somente para eles. Detentores de um conhecimento transcendente e esotérico, esses profissionais tinham como atribuição determinar os rumos da sociedade e tomavam decisões que afetavam a todos os cidadãos. Nem sempre acertavam e nem sempre tinham o conhecimento que alegavam, mas como o tema era tratado apenas nos gabinetes dos governantes, cabalisticamente, os erros eram atribuídos ao imponderável.
Só que as sociedades vão mudando. E mudam tanto que, às vezes, as propostas abalizadas de ontem transformam-se, hoje, em retórica ultrapassada. Quando esta retórica é aplicada à realidade, sempre causa prejuízos. E quem arca com os prejuízos é a sociedade.
Antigamente os desastrados responsáveis pelas idéias equivocadas escondiam-se nos respectivos gabinetes. Se o dano era maior, recorriam aos padrinhos políticos que, se tinham cacife, sustentavam-nos nos cargos. Mesmo quando a paternidade do prejuízo era, inquestionavelmente, intransferível.
Essas práticas são bastante comuns em ditaduras e também, no caso nordestino, quando o coronelismo dava as cartas. Mas, como já foi dito, o tempo passa. O passar do tempo, no Brasil dos últimos 20 anos, representou consolidação da democracia e a emergência do controle social. Este último, ainda que tímido, ainda que muitas vezes descaracterizado por oportunistas, vem se afirmando.

Sociedade

No âmbito do planejamento econômico, a principal transformação tem sido o paulatino crescimento da participação da sociedade. Foi-se o tempo em que burocratas engravatados determinavam os rumos do desenvolvimento. E está-se indo o tempo em que a baixa escolaridade era argumento para impedir a participação da sociedade nos processos decisórios.
Ninguém mais indicado que o indivíduo para dizer o que é melhor para ele. Uma pergunta muito simples, às vezes, é mais esclarecedora que 50 anos de reflexão num gabinete: “O que pode ser feito para melhorar sua vida?”.
Questões do gênero trazem pistas que, se consideradas, podem resultar em políticas públicas mais eficazes. É o saneamento para reduzir gastos com saúde, é o microcrédito para se gerar emprego e renda, é o treinamento profissional para o trabalhador fora do mercado de trabalho, é a educação com qualidade que contemple as necessidades da vida cotidiana.
Muitos políticos malandros alegam que a população vai pedir o irrealizável e, portanto, consultar o povo é inútil. Outros vão além: alegam que a eleição lhes assegura plenos poderes, juízo que nada mais é que uma tosca confusão entre delegação de poderes e despotismo. Para esses espertalhões, as eleições conferem uma certificado de ditador válido por quatro anos.

Realidade

A realidade tem desfeito todas essas patranhas. Os processos participativos no Brasil exibem uma sociedade madura, ciente dos seus direitos e consciente das limitações dos recursos públicos. Reivindica-se o possível, o melhor para a sociedade e se fortalece a democracia. Exatamente o contrário do que fazem incontáveis políticos. Embora sejam muito relevantes nos âmbitos estadual e federal, os processos participativos são ainda mais importantes para os municípios.
É no espaço dos municípios que a vida se processa: neles as pessoas vivem e trabalham, constroem suas existências e a partir deles interagem com o mundo. Contrariando as profecias dos apóstolos da globalização – cada vez mais escassos nos dias atuais – a cidade e o campo seguem como protagonistas das vidas das pessoas.
Ano que vem teremos eleições municipais. Precisamos pensar a política de forma mais sofisticada, indo além do tradicional “fulanismo” ou “beltranismo”, como se nomenclaturas constituíssem categorias políticas. Pensar em propostas e cobrar a aplicação, sepultando, sem trocadilhos, o “fulanismo” dos dias de ontem.

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