Nos próximos dias Feira de Santana será palco de mais uma Micareta. Outras cidades baianas também promovem carnavais fora de época para evitar a concorrência da capital, que monopoliza boa parte do público e os grandes artistas. Ao longo do ano há carnavais extemporâneos em capitais brasileiras, que assim reproduzem a estrutura da micareta feirense - por ser a pioneira -, também contratando os mesmos artistas e recorrendo a estruturas muito semelhantes.
A semelhança no formato das festas permitiu que certas empresas se especializassem na promoção desses eventos, consolidando o que hoje se conhece como “indústria do entretenimento” ou “indústria do carnaval”. Espalhada pelo país, a atividade movimenta bilhões de reais todos os anos.
O setor mais forte dessa indústria é, naturalmente, a prestação de serviços. Mas de serviços altamente especializados, que envolvem, por exemplo, o encantamento do cliente que opta por acompanhar a folia aboletado num camarote.
Nesse ambiente, bebem-se drinques sofisticados, degustam-se os melhores petiscos, dança-se música eletrônica e – principalmente isso – se observa com indisfarçável alívio a patuléia que se acotovela nas nesgas de chão que escapam à privatização itinerante promovida pelos blocos.
A fama dos artistas e a suntuosidade dos camarotes dependem do poder econômico de quem promove a festa. Feira de Santana, coitada, tem ficado para trás porque não dispõe dos recursos que as prefeituras de algumas capitais mobilizam.
Festa Comercial
Esse padrão tem se repetido com constância desde que o carnaval baiano se tornou um grande sucesso. Isso entre meados dos anos 80 e o início da década seguinte. Começaram a surgir, então, críticas ao modelo que excluía de ruas e avenidas grande parte das pessoas e retirava do povo o protagonismo do festejo, delegando-o aos cantores que puxam trios e blocos.
A feição comercial – ou de mercado – foi se apropriando de carnavais e micaretas aos poucos. Hoje, essas festas seguem um roteiro previsível em que o papel reservado a cada ator é definido previamente. O sucesso da lógica de mercado reside justamente aí: em entregar um produto cujas características foram previamente combinadas com o consumidor.
Ocorre que o carnaval não é resultado da linha de produção de uma fábrica e povoa o imaginário coletivo como uma “bagunça organizada”, conforme uma definição muito feliz. Para permanecer vivo e em mutação, depende do protagonismo da multidão que não tem compromissos com a fria formalidade dos processos de compra e venda.
Outros carnavais
No Recife e em Olinda, cuja festa segue uma lógica diferente, não foi retirado do povo o comando da folia. “É o carnaval sem cordas”, como gostam de provocar os pernambucanos, com razão. Aqui na Bahia blocos e camarotes impulsionaram os “Barões do Carnaval”, que definem os rumos dos festejos. Não se organiza a maior festa popular do mundo, conforme se diz, sem que essas pessoas estabeleçam diretrizes, sob pena de se disseminar o pânico no mercado carnavalesco.
É legítimo o desenvolvimento da “indústria do carnaval”, com seus blocos e camarotes. O que não é legítimo é o sufoco imposto à coletividade excluída porque não pode pagar para figurar na festa. O que se fala há alguns anos precisa ser posto em prática: rediscutir a festa, fortalecendo a participação popular.
A cultura é produto da interação entre os indivíduos no meio social. Como essa interação não cessa, a cultura é mutante. O carnaval é mutante porque é produto de um conjunto de relações sociais estabelecidas pela interação entre os indivíduos. Quando cessa o papel mediador dos indivíduos e o protagonismo se reporta ao mercado, o processo cultural sofre uma estagnação ou desaceleração. Há, então um esgotamento cultural. Esse esgotamento torna o carnaval (e a micareta) a festa repetitiva que temos visto nos últimos anos...
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