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Ecos da feira no centro da cidade


No dia 10 de janeiro de 1977 a Feira de Santana começou a perder um pouco de sua identidade. Naquele dia, os cerca de quatro mil barraqueiros que se espalhavam pelo Mercado de Arte e calçadões próximos, pela Praça João Pedreira e adjacências, mercadejando de um tudo, foram removidos para o novíssimo Centro de Abastecimento localizado no Parque Manoel Matias. A iniciativa compunha o Plano Local de Desenvolvimento Integrado, do então prefeito José Falcão da Silva.
Acabava-se o lufa-lufa dos verdureiros das calçadas do Mercado de Arte, o cortar frenético dos animais nas bancas de carne verde, a exposição nas barracas de artigos de couro e barro, desaparecia o cheiro do peixe-frito que acompanhava as generosas doses de aguardente com ervas aromáticas, silenciaram os violeiros e repentistas e os vendedores de cordel de Lampião foram forçados a recolher seus produtos de papel pardo.
A perspectiva, a partir daquela data, era de que o centro da cidade ganhasse ares modernosos. Sumiriam as barracas de verduras, que funcionavam durante toda a semana. Não mais se veriam os feirantes que perturbavam a paz dos domingos, chegando para preparar as mercadorias expostas aos fregueses na manhã de segunda-feira.
Às oito horas da noite de sexta o trânsito fluiria tranqüilo pelo centro, já que não haveria barracas sendo montadas para a feira de sábado. Muitos apostavam que eventuais turistas não iam mais se horrorizar com o degradante cenário do lixo espalhado pelas ruas, com o caos no trânsito, com as calçadas servindo de sanitário público ou dormitório improvisado.

Reclamações
As vozes mais indignadas sobre a situação partiam de comerciantes e moradores das redondezas, já que ainda haviam residências na área. As famílias queixavam-se da balbúrdia e da sujeira. Os comerciantes alegavam concorrência desleal, pois os produtos ofertados nas barracas eram os mesmos vendidos nas lojas. Até os banqueiros reclamavam: a confusão reinante dificultava que a clientela entrasse nas agências para pagar as contas.
Até na trincheira cultural houve mobilização para convencer a sociedade. “Feira de Santana em marcha para o progresso”, um documentário de 13 minutos, foi exibido no Cine Íris, em novembro de 1976. Além da imprensa local, jornais de Salvador e do Rio de Janeiro publicaram reportagens sobre o fato.
Mentor da proposta, o prefeito José Falcão da Silva mexeu-se para tocar a iniciativa. Buscou recursos para a obra grandiosa, negociou redução de 10% do ICM para o entreposto mas, sobretudo, sustentou o discurso de que a mudança representava progresso para o município.
Reflexos
Passaram-se mais de 30 anos. Percebe-se que houve perda de identidade cultural. Feira-livre é o corpo-a-corpo, o ir-e-vir das pessoas, o contato coletivo que produz a ebulição cultural. Quando se estabelecessem os compartimentos estanques, o combustível da cultura evapora. Tornam-se necessários, então, novos mecanismos de interação e geração de identidade. Isso leva tempo para surgir e se consolidar.
O centro de Feira de Santana perdeu a graça com a transferência da feira-livre. Continua um centro de cidade nordestina, mas perdeu a identidade com a partida dos sertanejos para o Parque Manoel Matias.Aos domingos é melancólico andar por ali. Há uns mendigos malabaristas defronte a Igreja Senhor dos Passos, um ou outro motorista que para numa farmácia para comprar remédio ou algum bêbado que teima em perpetuar o sábado. No mais, sucedem-se as lojas fechadas para o descanso dos comerciários. Quem almejava uma paz de necrópole para o centro da cidade, conseguiu alcançar o objetivo.

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