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Caprinocultura e desenvolvimento local

O Semi-Árido da Bahia sempre foi visto como uma região que oferece escassas oportunidades econômicas. Ao longo de séculos, a que desfrutou de maior sucesso relativo foi a bovinocultura. Mas essa era uma atividade que se articulava com os centros urbanos do litoral, ofertando proteína animal para a população dedicada à lucrativa produção de cana-de-açúcar exportada para os mercados europeus.
Mas mesmo essa bovinocultura enfrentava imensas dificuldades, dada a constância das estiagens que assolavam a região, dizimando rebanhos e, muitas vezes, colocando em risco a sobrevivência dos sertanejos.
Note-se, também, que a criação de gado enfrentava outras limitações decorrentes da escassez de chuvas: tinha maior possibilidade de sucesso próximo às fontes naturais de água – como rios e lagoas – e exigia amplos espaços para prosperar, já que a pastagem rala impunha grandes deslocamentos para os animais, tornando-a extensiva.
Fica fácil compreender o atraso da região ao longo de tantos anos. Contudo, alternativas de desenvolvimento permanecem postas, mas continuam engavetadas nos gabinetes por entraves culturais e institucionais. A caprinocultura, por exemplo, tem sido apontada como uma alternativa viável, inclusive com resultados satisfatórios, mas ainda é uma iniciativa pontual.
Churrasco de Bode
O maior obstáculo à caprinocultura é a resistência cultural. Conhecida como “vaca de pobre” em muitas regiões do planeta, a cabra ainda não se inseriu na dieta alimentar do brasileiro, nem se consolidou como uma alternativa comercial para os produtores. Tudo isso por preconceito, embora venha crescendo o número de adeptos do churrasco de bode.
Cabe ao Estado fortalecer a caprinocultura como uma alternativa empresarial entre os produtores familiares. Para tanto, é preciso ofertar instrumentos que elevem e profissionalizem a produção (crédito, assistência técnica, controle sanitário, disseminação de práticas cooperativas) e também estimulem o consumo (divulgação do produto e inclusão de derivados como leite e queijo na merenda escolar).
Medidas como essas teriam notável impacto sobre os mercados locais, com efeitos positivos inclusive sobre a geração de emprego e renda. Só que também precisamos superar a “síndrome primário-exportadora” tão viva na nossa cultura. Esse é um dos maiores desafios.
“Síndrome primário-exportadora”
A “síndrome primário-exportadora” é uma noção enrijecida e cristalizada na mente de muitos de que tudo que se produz aqui deve ser vendido lá fora, exportado para encantar os gringos. Assim, ao invés de estimular a caprinocultura focalizando os grandes centros urbanos da Bahia e dos estados próximos, nos voltamos para o exterior. E tome delírio de querer vender carne de bode em Paris, Nova Iorque ou Tóquio. Como o salto é muito arrojado, nos prostramos, convencidos de que a caprinocultura nunca vai passar da esfera da subsistência.
Por séculos exportamos o que aqui se produzia: cana-de-açúcar, pau-brasil, fumo, algodão, ouro. Mais recentemente, abraçamos a onda do turismo cultural irradiada dos países desenvolvidos. Todos esses movimentos, porém, produziram impacto limitado e os problemas sociais continuaram se agravando.
Os políticos e administradores públicos que pleiteiam o rótulo de “modernos” deveriam debruçar-se sobre as questões do desenvolvimento e pensá-lo numa dimensão local. Como a China fez. Um dos principais países exportadores no mundo atual, a China combinou, com a habitual sabedoria oriental, o desenvolvimento local com uma vigorosa política exportadora. Sem o bilhão de habitantes da China, poderíamos resolver nossos problemas com muito mais facilidade...

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