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Três enredos paralelos na sucessão presidencial

Há muita novidade na praça aqui na Feira de Santana. Mas 2018 é ano eleitoral e, portanto, o noticiário nacional – sobretudo o político – às vezes se sobrepõe aos apelos provincianos. Logo, é inescapável mencionar as grandezas – e torpezas – que se processam na luta pelo Planalto Central. Examinando aqui da província, percebe-se que três enredos paralelos vão se desenvolvendo na sucessão presidencial. Nada impede que se entrelacem – se mesclem, até – e, quem sabe, produzam uma fusão, um amálgama que reduza a quantidade de cenários relevantes.
O mais longevo e o mais pitoresco deles envolve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula (PT). Preso desde abril, segue sustentando uma candidatura que embaralha o pleito. Pelos imbróglios com a Justiça, é pouco provável que o líder petista confirme sua candidatura. De um lado, ele desperta uma comovente crença na sua imaculada honestidade; do outro, espanta pelo ódio que provoca naqueles que anseiam, até mesmo, o seu extermínio físico. Segue liderando as pesquisas no momento.
Conforme se disse, Lula também é odiado. E quem capitaliza esse ódio é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), até aqui segundo colocado nas pesquisas. Só que, ontem, ele sofreu dois contundentes revezes: inicialmente, o PR de Valdemar Costa Neto – aquele encrencado no episódio do “Mensalão” – refugou o apoio longamente negociado; e até o nanico PRP abdicou de compor sua chapa majoritária. Visto como favorito até outro dia, o capitão reformado do Exército vê suas chances minguarem, à medida que não consegue fechar coligação com ninguém.
O terceiro enredo é o do “Centrão”. Capitaneado pelo DEM – mas reforçado por PP, Solidariedade, PRB e, agora, novamente, o PR – o consórcio que inviabilizou o mandato de Dilma Rousseff (PT) e enquadrou o polêmico Michel Temer (MDB) procura um presidenciável para tutelar. Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT) figuram como nomes preferenciais. Percebe-se, de antemão, que os termos dessa coalizão devem ser similares àqueles forjados por Eduardo Cunha (MDB-RJ), líder defenestrado, atualmente preso.
Como desdobramento desse terceiro enredo, Geraldo Alckmin e, sobretudo, Ciro Gomes, tentam arrebatar a simpatia do “Centrão”. Mas a que preço? Isso o eleitor só vai saber depois das eleições. Ou não: o modus operandi não deve se diferenciar muito daquele empregado por Eduardo Cunha ao longo do naufrágio petista, nem daquele que emparedou Michel Temer e favoreceu, amplamente, o capital amigo dos donos do poder.
Isso significa que, lá adiante, teremos outro presidente emparedado, acuado pelas chantagens da oligarquia partidária? Não se duvide. Afinal, a “reforma política” legada por Eduardo Cunha visou justamente aquilo que se desenha: pouca renovação – com as regras eleitorais favorecendo os oligarcas de plantão – e sujeição do Executivo às idiossincrasias dos coronéis do Congresso Nacional.
Fala-se no desencanto com a política, na hipótese de abstenção recorde nas eleições que se avizinham. Não se duvide, mas é necessário cultivar uma certeza: apesar da zanga, da indignação, das reclamações, do estardalhaço nas redes sociais, tudo indica que – majoritariamente – as mesmas figuras que transitam pela política serão reeleitas. Exatamente pelos que reclamam.
Isso, claro, se a coisa não piorar muito mais, hipótese nada desprezível no cenário atual.

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