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Final de semana mais sangrento da História de Feira

Enquanto o feirense vivia a tensão da estreia do Brasil na Copa do Mundo de 2018 – e se decepcionava porque a aguardada vitória contra a Suíça não veio – a cidade viveu o mais sangrento dos finais de semana de sua História. Foram 19 mortos entre o sábado e o domingo, incluindo um latrocínio. A carnificina começou com a morte de uma policial militar na saída de uma casa de shows – quando ele tentava evitar um assalto –, logo no final da madrugada de sábado, e se estendeu até a noite de domingo.
Tragédia comparável só aconteceu em maio de 2010. No primeiro final de semana daquele ano, foram 12 assassinatos registrados. Aquele, a propósito, foi o ano mais sangrento da História do município. Pior que esse final de semana só o motim da Polícia Militar, em 2014, que provocou mais de 40 mortes num único dia.
Pelo que registrou a atenta imprensa feirense, houve de tudo: triplo homicídio, dois duplos homicídios e assassinatos em série. Todos os mortos eram jovens, incluindo quatro menores, replicando o padrão do genocídio juvenil em curso na Bahia. Todas as vítimas eram do sexo masculino e foram executadas a tiros. Como sempre, nenhum criminoso foi preso ou identificado nessas ações.
A “geografia da morte”, previsivelmente, permaneceu inalterada: quem morreu vivia em vielas na periferia, aonde escorrem esgotos a céu aberto e falta de tudo. Loteamentos recentes e conjuntos populares estavam entre os palcos dos crimes. Como sempre, as autoridades policiais afirmaram que parte das vítimas tinha envolvimento com a criminalidade.
Foi até possível observar um helicóptero sobrevoando a cidade ao longo de todo o domingo e o vaivém incessante de viaturas, deslocando-se, sobretudo, em direção às periferias. Apesar do aparato, a matança prosseguiu. Embora estivesse absorvido pelo clima de Copa do Mundo, o feirense não deixou de acompanhar esses movimentos com atenção. A macabra contabilidade causou espanto, mesmo para os mortíferos padrões locais.
Alguém, mais distraído, poderia afirmar que a Feira de Santana viveu um dia semelhante ao dessas republiquetas da América Central, aonde gangues promovem assassinatos em série. O engano é doloroso: nós, aqui, vivemos realidade semelhante. É só prestar atenção nas estatísticas divulgadas todos os anos. Semana passada, aliás, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – o IPEA divulgou novo estudo e, nele, Feira de Santana permanece em trágico destaque.
Bairros inteiros – e conjuntos populares – vivem sob leis ditadas pela criminalidade. A defesa desses territórios implica, quase sempre, em se recorrer ao recurso extremo: execuções e trocas de tiros para garantir o predomínio territorial.
Em parte, a desenvoltura dessas quadrilhas – as facções – contribui para os assassinatos que, ao longo da última década, permanecem em patamares bélicos. Só que, no caso da matança desse final de semana, não se sabe se as mortes têm relação com facções criminosas, nem se todas as vítimas tinham, de fato, envolvimento com a criminalidade, embora isso não seja pretexto para se executar ninguém.
Para piorar, o recrudescimento da violência vem alimentando discursos inquietantes entre alguns candidatos à presidência da República. Eles defendem que, para conter a violência, é preciso mais violência. O rearmamento da população, o endurecimento penal – quem é preso, hoje, vai cumprir pena aonde as facções recrutam seus novos integrantes – e o entusiasmo com a política do confronto tendem a tornar o problema incontrolável.
Nem é preciso reafirmar que, hoje, o cenário no País e, particularmente, na Feira de Santana, é funesto.

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