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Ninguém discute mais o futuro, abandonou-se de vez o planejamento. O país do
futuro do passado não tem mais futuro, só presente...
O
desabafo oportuno é de um amigo que labuta com planejamento, com o debate sobre
o desenvolvimento. Concordei, de imediato, com a avaliação. Depois fiquei
matutando o porquê desta situação. Julgo que encontrei algumas explicações –
bem embrionárias, é bom ressaltar – que talvez ajudem a entender porque o
brasileiro lúcido se tornou refém de um presente amargo, que não oferece perspectiva.
Jair
Bolsonaro, o “mito”, chegou ao poder tangendo uma boiada com pelo menos três raças
bem distintas.
A
mais pitoresca é a do fundamentalismo religioso. Essa gente, pelo que se vê,
ocupa-se pouco com o futuro. A explicação é bem simples: imersa no apocalipse –
mesmo que o “mito” só possa oferecer um apocalipse pagão – e na propalada volta
de Jesus Cristo, esta turma tem pouco tempo ou disposição para pensar no
amanhã. Para muitos, o presente é tormentoso. Melhor, desde já, anular o
amanhã, apostar na sua supressão. Assim, sofre-se menos.
Também
é pitoresca – embora menos histriônica – a manada que encarna o liberalismo
caboclo. Como tudo no Brasil, o liberalismo que se pratica aqui tem um denso
ingrediente de fanatismo, de religião. É uma seita que defende o livre mercado
de manual com fanático fervor. Para eles, o futuro também é um detalhe: basta
deixar tudo sob o encargo do “deus mercado” que o paraíso liberal estará ali,
na próxima esquina, acolhendo quem se esforçar o suficiente.
Os
militares que acolitam o “mito” abandonaram a bobagem de planejamento, de crescimento
econômico, – de futuro – que seus antecessores abraçaram durante a ditadura
militar. Só estão preocupados com as “boquinhas”. Lembram que as “boquinhas”,
sob o petê, eram vermelhas? Pois tornaram-se verde-oliva. E o futuro? O futuro
é um detalhe que só preocupa quem não dispõe de regalias, como aposentar-se
cedo com salário integral.
Untando
tudo, há a imediatista visão de mundo miliciana, que entusiasma no Planalto
Central. Bandido só vive o hoje, não planeja, nem pensa no futuro. Miliciano,
que também é bandido, idem: pode levar bala e ir pra vala, apodrecer na cadeia,
levar a pior num acerto com seus próprios parceiros. Tem, portanto, que viver
intensamente o agora, fazendo churrascos nababescos, vivendo em condomínio de
rico, ostentando automóveis luxuosos e por aí vai. Para essa turma, o futuro é algo
longínquo, remoto.
Como
pensar, então, em planejamento, tentar enxergar o longo prazo? Isso é coisa de
quem tem apreço pela vida e pela vivência coletiva, em sociedade. É bom fazer a
ressalva que há religiosos que não são fanáticos, liberais de fato – que
estudaram – e militares sinceramente dedicados ao Brasil. Não tenho dúvida de que
são a maioria. Mas, hoje, quem dá as cartas é a trupe barulhenta, caricata, que
vai afundando o país dia após dia.
Vou
compartilhar o texto com o amigo que reclama do abandono do planejamento, do
pensar o futuro. Trata-se de uma ínfima faísca na angustiante escuridão na qual
o Brasil mergulhou. Mas há outras formas – inúmeras – de se explicar o que se
passa. Daí a importância do diálogo, da construção do conhecimento, alicerçados
em princípios democráticos.
É
exatamente o que também vem faltando ao Brasil hoje...
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