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O foguetório junino nas noites de maio

 

Vi, há pouco, meninos soltando fogos numa rua secundária da Queimadinha. Eram algumas bombas – pouco mais que traques – que foram detonadas com aquela habitual empolgação infantil pelo período junino. Lembrei, até mesmo, da minha infância já longínqua. O entusiasmo era idêntico. Mas o arsenal de que dispunham era escasso: revezaram-se nas álacres detonações e, depois de alguns minutos, entraram em casa de novo.

Crianças costumam aguardar o São João com ansiedade. Em grande medida, por causa da queima de fogos. Quem pode, se deleita desde antes, como os garotos que vi mais cedo. Só que a crise econômica decorrente da pandemia – e agravada pelas barbeiragens do desgoverno de plantão – impõe comedimento, hoje queima-se menos dinheiro com fogos. Imagino que, por isto, a diversão dos meninos foi intensa, mas curta.

Notei que o espocar de fogos começou a se tornar mais comum no começo de maio. Nos finais de semana – sobretudo nas noites de sábado – é mais frequente, embora muito mais contido do que no passado. Da janela, às vezes, veem-se luzes distantes, rompendo a escuridão que as lâmpadas elétricas da cidade não afugentam. Depois, chega o ruído. É melancólico, sobretudo nestes tempos de pandemia e toque de recolher. No começo da madrugada, cessa o foguetório.

Abdicar do São João é uma das maiores provações que a pandemia impôs aos baianos e aos nordestinos. O entusiasmo com a festa costuma vir desde a infância, arrebatando gerações. É também momento de celebrar a fartura, sobretudo quando as chuvas caem, oferecendo a perspectiva de boas colheitas. Tudo isso se subverteu ano passado, com a pandemia. Infelizmente, em 2021, o cenário se repete.

Para as crianças – as experiências infantis costumam ser efêmeras, mas profundamente marcantes – imagino que o sacrifício seja muito maior. Como explicar-lhes que a pandemia impede que aproveitem o São João ao máximo? Não deve ser fácil. Aliás, nada está sendo fácil com o horror pandêmico, econômico e civilizatório entrelaçados.

Quando espocam, os fogos se sobrepõem aos sons do teclado. Ouvi-los atiça recordações, que, no entanto, esmorecem num átimo. Despertam saudades como os forrós ouvidos por acaso, conforme já mencionei noutro texto. O fato é que a noite de sábado escorre sob eventuais luzes e sons de fogos. Por um instante – um instante muito curto – trazem, de volta, uma breve sensação de normalidade, de vida que segue...

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