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A seca e as políticas de transferência de renda



 
Quase todos os dias os jornais, as emissoras de rádio e televisão, os sites e os blogs vem noticiando os efeitos da seca que assola o Nordeste, particularmente a Bahia, onde mais de 200 municípios já decretaram situação de emergência. A estiagem, considerada a mais rigorosa nos últimos 30 anos, arrasou plantações, vem dizimando rebanhos e provavelmente vai gerar impactos sobre diversos municípios baianos, cujas economias dependem da agricultura e da pecuária. Sem chuva, quem mais padece é a população rural, mais pobre e mais exposta ao fenômeno.
Um dado positivo, no entanto, deve ser ressaltado: pelo menos até aqui, apesar de todos os problemas indicados pela imprensa, não há registros de mortes em função da seca. Situação muito diferente do que aconteceu entre 1979 e 1983, quando um número nunca determinado de nordestinos morreu de fome e de sede.
Para os governadores da época – boa parte entusiasta da Ditadura Militar em vigência – morreram 100 mil pessoas no período, sobretudo no Ceará, estado mais afetado pela estiagem. Essa estatística conservadora era favorecida pela mordaça que ainda amarrava a imprensa. Números divergentes, no entanto, estimam o total de mortos entre 700 mil e 3,5 milhões de pessoas.
Ao longo da calamidade, 1,5 milhão de nordestinos alistaram-se nas famigeradas frentes de trabalho organizadas pelos ditadores. Boa parte do dinheiro direcionado para essas frentes escorreu para o bolso dos corruptos de plantão, que se aproveitaram da tragédia para enriquecer com a chamada “indústria da seca”.

Benefícios Sociais

Passadas três décadas, o Brasil conseguiu evoluir muito em relação ao tema. As políticas de transferência de renda – benefícios sociais como o Bolsa Família, aposentadorias e outras iniciativas de transferência de renda – estão evitando que as pessoas migrem desesperadas para os grandes centros urbanos ou, simplesmente, morram de fome ou fraqueza.
Pela primeira vez essas políticas vem passando por um grande teste: caso fique evidente que contribuem para evitar que a tragédia se aprofunde, talvez os mais resistentes entendam sua importância e deixem de criticá-las. Já parece óbvio, porém, que a elevada mortalidade que os ditadores de três décadas atrás se esforçavam para encobrir não vai se repetir.
Isso não exime os governantes da responsabilidade de buscar construir alternativas para o desenvolvimento do semiárido. Perspectivas nesse sentido, porém, não são visíveis na linha do horizonte: o que há é apenas a questionável transposição do rio São Francisco, que parece mais voltada para beneficiar o agronegócio que, propriamente, reduzir os efeitos adversos dos períodos de estiagem.
Cada desafio tem seu lugar no espaço e no tempo: embora tenha se reduzido a possibilidade dos nordestinos morrerem de fome nas estiagens, graças às políticas de transferência de renda, segue necessária a construção de políticas públicas que assegurem um mínimo de sustentabilidade ao semiárido. Esse desafio é atual e permanece posto, como confirma o noticiário recente sobre a seca.   

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