... E
finalmente alguma coisa começa a se mover no previsível Carnaval da Bahia. O
que nos anos anteriores era apenas uma renitente reclamação de uns poucos artistas,
reféns de um passado romântico e distante, ganhou o centro das discussões em
2012 e até mesmo algumas estrelas da música baiana decidiram desfilar em trios
sem as tradicionais cordas. Claro que não foram movidos por altruísmo ou por
convicção ideológica: fizeram-no por força dos generosos patrocínios privados.
Foi o
suficiente, no entanto, para se deflagrar uma discussão sobre a renovação da
festa, cujo modelo se encontra esgotado há anos, incluindo a possibilidade de
incorporação de um novo circuito já em 2013. Esse repensar do Carnaval alcançou,
inclusive, o Rio de Janeiro, que nos últimos anos vem incorporando mudanças à
folia momesca.
As
cordas começaram a se tornar protagonistas do Carnaval de Salvador quando os
bailes dos clubes sociais entraram em declínio, junto com os próprios clubes.
Como as classes alta e média jamais compartilhariam as calçadas com o povão,
recorreu-se à privatização da folia, com os blocos desfilando no Campo Grande.
Os suntuosos camarotes dos artistas, aos
poucos, foram assumindo o lugar dos blocos mais famosos. Mais do que oferecer
um ângulo privilegiado para acompanhar a folia, esses espaços se tornaram uma
festa dentro da festa, dispensando o que se passa em volta. Tornaram-se,
portanto, uma versão desmontável e mutável dos antigos bailes nos clubes
sociais.
Sucesso dos Camarotes
A
tendência da abolição das cordas no Carnaval de Salvador vai depender,
paradoxalmente, do sucesso dos camarotes: caso permaneçam satisfazendo foliões,
autoridades, imprensa e eventuais penetras, tudo sinaliza que, aos poucos, o
asfalto e as calçadas serão restituídos ao povão.
Caso
essa tendência se consolide a “Era das Cordas” no Carnaval da Bahia vai ser
associada, na historiografia momesca, ao período em que as elites permaneceram
órfãs de um cenário compatível com seu glamour. Assim, o ano de 2012 talvez
seja associado ao início do fim da festiva diáspora da elite dançante, que
migrou dos clubes sociais para os camarotes, sob os olhares embasbacados do
povão.
Quem
financia o Carnaval da Bahia também vai dispor de um excelente mote: patrocinar
grandes artistas será uma declaração de amor à Bahia, ao Carnaval e uma
demonstração de responsabilidade social. Os artistas, por sua vez,
capitalizarão os méritos da sintonia com as novas tendências.
Novamente do povo
Sob
esse cenário, o Carnaval vai voltar a ser do povo. Curiosamente, a volta à
lógica festiva do passado não vai acontecer através de um resgate desse passado
como foi um dia, mas porque a indústria do Carnaval, com sua dinâmica toda
própria, vai evoluir resgatando, por um mero acaso, alguns elementos desse
passado.
Isso
significa, necessariamente, que as mudanças são ruins? Não. Primeiro porque a
mudança é da natureza intrínseca do Carnaval e a festa vinha monocórdia há
anos. Segundo, porque o povão – principal motor da inovação momesca – tende a
reassumir, em alguma medida, o (des)controle da folia.
Resta,
portanto, aguardar os próximos capítulos que, no caso do Carnaval, só volta a
acontecer no próximo ano. No entanto, os carnavais fora de época que se
desenrolam Brasil afora servem como termômetro dessas mudanças, porque muitos
atores são basicamente os mesmos. A própria Feira de Santana, com seu Carnaval
que acontece em abril, pode funcionar como um desses laboratórios...
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