Pular para o conteúdo principal

Ato contra a reforma da Previdência movimentou o centro de Feira

A manhã de sexta-feira (22) amanheceu igual a tantas outras no centro da Feira de Santana. Pela avenida Getúlio Vargas, os ônibus avançavam em direção ao Terminal Central. O comércio nas ruas centrais da cidade funcionava normalmente. E os pedestres circulavam como sempre, pisando as pedras portuguesas nas calçadas. Era a rotina habitual de uma sexta-feira ensolarada. A diferença estava no estacionamento ali defronte à Prefeitura, aonde começava a se aglomerar gente.
O som de um mini trio amplificava o alerta sobre o que espera o trabalhador caso seja aprovada a reforma da Previdência proposta pelo governo Jair Bolsonaro (PSL-RJ).
“O governo não cobra R$ 450 bilhões de dívida dos sonegadores”, “O benefício do idoso vai ser cortado pela metade” e “20 milhões de trabalhadores perderão o abono do PIS” eram algumas das advertências para quem passava, curioso com aquela aglomeração. À medida que a manhã avançava, as sombras iam encurtando e a multidão se adensando.
Ali, havia muitas professoras da rede municipal em greve; professores universitários e da rede estadual que vergam sob o arrocho salarial que já dura quatro anos; estudantes, servidores públicos e gente dos sindicatos dos trabalhadores rurais da região. Muitos ostentavam camisetas das centrais sindicais que começam a reagir coletivamente à draconiana proposta de reforma. Alguns exibiam o “Lula livre” em camisetas e não faltou quem apostasse em Che Guevara.
- Reforma para os militares, os políticos e o Judiciário não existe – advertia alguém ao microfone. Outro lembrou o slogan do futuro, caso a reforma seja aprovada da forma como foi apresentada: “Pague, morra e não se aposente”.

Percurso

Por volta das 10 e meia a passeata saiu, percorrendo a rua Visconde do Rio Branco e retornando pela praça do Nordestino e pela avenida Senhor dos Passos. Nas calçadas e nas lojas, muita gente parou, atenta, para ouvir os oradores. Em alguns rostos era possível identificar a repugnância que a proposta inspira. Alguns comerciários exibiam o olhar perdido, imerso em conjecturas amargas.
Há seis meses, eleitores de Jair Bolsonaro mostraram-se hostis à manifestação das mulheres contra o candidato, ali mesmo, defronte à prefeitura. Ontem ninguém reclamava, não resmungava, nem soltava piadinhas infames: a altivez dos acólitos do “mito”, pelo jeito, está acabando. Talvez porque muitos sintam que também estão na alça de mira da revogação de direitos.
Pelo menos centenas de pessoas marcaram presença na manifestação. Em alguns momentos, os motoristas de ônibus estacionaram seus veículos nas faixas exclusivas, sinalizando apoio às reivindicações. A marcha repercutiu sobre o funcionamento do comércio feirense pela manhã. Mas não se percebeu a eventual insatisfação de manifestações anteriores. Havia, no ar, um apoio tácito.
Seguramente é porque o feirense já percebe, desde já, o dano imenso que o aguarda, caso a reforma seja aprovada. A indignação é maior porque os militares – sócios privilegiados do consórcio no poder – pouco serão afetados pelas mudanças. Ao contrário: farão jus, até, a aumento de salário.
Como primeiro ato – manifestações e até greves gerais tendem a acontecer lá adiante – foi positivo. Provavelmente as mobilizações continuarão e os próximos atos terão adesão mais robusta.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express