O primeiro
relatório encaminhado por Graciliano Ramos, prestando contas de sua atuação à
frente da prefeitura de Palmeira dos Índios, repercutiu junto à imprensa
alagoana e, até mesmo, no Rio de Janeiro. Mais que o desempenho satisfatório
das atividades, foi o estilo pessoal e o conteúdo altamente literário que
despertaram as atenções da imprensa. Em 1929 o futuro autor de “São Bernardo”
repetiu o feito, encaminhando novo relatório com o mesmo estilo.
Naquela época o literato
desabrochava: desde 1925 ele se dedicava à elaboração de um romance que só foi
concluído oito anos depois: “Caetés”. Anos antes, em 1921, quando era um pacato
comerciante à frente da loja “Sincera”, Graciliano Ramos aventurara-se
publicando, sob pseudônimo, uma série de artigos num semanário de Palmeira dos
Índios, o “Índio”.
Na prefeitura, durante
1928, Graciliano Ramos manteve a luta para extinguir benefícios
injustificáveis, o que resultou em expressiva elevação da arrecadação, conforme
ele mesmo apontou no segundo relatório encaminhado a Álvaro Paes, o governador
alagoano, no início de 1930. Conforme indicado, à época, sua atuação à frente
da prefeitura já despertava atenção da imprensa. Algumas intervenções,
iniciadas em 1928, rendiam resultados que causavam perplexidade.
Sobre a
arrecadação, o prefeito registrou que inicialmente o montante foi estimado em
68 contos de réis, mas pulou para 96 contos: “E não empreguei rigores
excessivos. Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoas
que não precisavam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de
pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbrugados”.
Mais adiante,
Graciliano Ramos ressalta que, já no primeiro ano de governo, buscou adotar medidas
que minimizassem as iniquidades tributárias. Extinguiu tributos – e ainda assim
a arrecadação subiu –, organizou a vida financeira da prefeitura e conseguiu
destinar recursos para intervenções urbanas importantes. Entre elas, o prefeito
ressaltava a limpeza do município, com o recolhimento de animais vadios pelas
ruas, o recolhimento do lixo e a instalação de matadouros, o que evitou o abate
de animais em vias públicas.
O principal foco
do gestor Graciliano Ramos, porém, foram as obras de infraestrutura. Aqui o
prefeito se permite certa ironia: “Os gastos com viação e obras públicas foram
excessivos. Lamento, entretanto, não me haver sido possível gastar mais.
Infelizmente a nossa pobreza é grande”.
As intervenções
iniciadas em 1928 começaram a dar resultados. É o que se observa sobre a
terraplanagem da Lagoa: “Este absurdo, este sonho de louco, na opinião de três
ou quatro sujeitos que sabem tudo, foi concluído há meses. Aquilo que era uma
furna lôbrega, tem agora, terminado o aterro, um declive suave. Fiz uma galeria
para o escoamento das águas. O pântano que ali havia, cheio de lixo, excelente
para a cultura de mosquitos, desapareceu. Deitei sobre as muralhas duas
balaustradas de cimento armado”.
Os esforços para
moderar os poderosos locais consumiram grande parte da energia do prefeito. Isso
implicou em mobilização para livrar a população pobre da exploração habitual. É
o que relata no trecho seguinte: “Favoreci a agricultura livrando-a dos bichos
criados à toa; ataquei as patifarias dos pequeninos senhores feudais,
exploradores da canalha; suprimi, nas questões rurais, a presença de certos
intermediários, que estragavam tudo; facilitei o transporte; estimulei as
relações entre o produtor e o consumidor”.
Mexer com os
interesses das elites locais costuma ser politicamente arriscado até hoje. Não
foi diferente com Graciliano Ramos à época: “Esforcei-me para não cometer
injustiças. Isto não obstante, atiraram as multas contra mim como arma
política. (...) Se eu deixasse em paz o proprietário que abre as cercas de um
desgraçado agricultor e lhe transforma em pasto a lavoura, devia enforcar-me”.
O relatório foi
concluído com as moderadas expectativas do prefeito. Dois planos, aparentemente
vagos, povoavam-lhe a mente: calçar ruas onde as enxurradas decorrentes da
chuva arrastavam pessoas e construir um açude na zona rural do município.
Confirmando o estilo que o consagrou na literatura, Graciliano Ramos cultivava
otimismo discreto, preocupando-se mais em mencionar os riscos envolvidos na
empreitada e a crônica escassez de recursos.
Depois de dois
anos de esforços intensos à frente da prefeitura, Graciliano Ramos renunciou. Logo
em seguida foi aproveitado em dois prestigiosos cargos da administração pública
alagoana: diretor da Imprensa Oficial e, posteriormente, da Instrução Pública. No
início de 1936 foi preso e passou onze meses encarcerado, acusado de atividades
subversivas pela ditadura de Getúlio Vargas.
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