Em 2017 milhares
de prefeitos assumiram o cargo para mandato de quatro anos. Nesse momento de
crise – política, econômica e ética – muitos deveriam se inspirar num dos mais
célebres prefeitos brasileiros: Graciliano Ramos, posteriormente consagrado
como autor de “Vidas Secas”, clássico da literatura brasileira. Eleito em 1927,
permaneceu na prefeitura de Palmeira dos Índios por dois anos. Posteriormente,
assumiu a Imprensa Oficial de Alagoas e foi diretor da Instrução Pública do
estado, antes de se consagrar como um dos mais importantes escritores
brasileiros.
A eleição de
Graciliano Ramos foi cercada de fatos pitorescos. Sua indicação partiu do
deputado federal Álvaro Paes e dos irmãos Francisco e Otávio Cavalcanti,
líderes políticos locais. Inicialmente, Graciliano resistiu à indicação, só
cedendo quando os adversários começaram a espalhar o boato que ele estava com
medo de concorrer. É o que relata Dênis de Moraes na biografia do escritor.
Após inúmeras
tratativas, o pleito ocorreu em 07 de outubro de 1927 e Graciliano concorreu
como candidato único, obtendo 433 votos. As eleições guardaram as
características da época, conforme reconheceu o próprio prefeito: “Assassinaram
o meu antecessor. Escolheram-me por acaso. Fui eleito naquele velho sistema das
atas falsas, os defuntos votando”.
Nos dois anos
que passou pela prefeitura Graciliano Ramos mostrou-se capaz de contrariar
interesses arraigados dos poderosos locais, ordenar a situação caótica da
cidade e executar obras que melhoraram a vida no município no sertão de
Alagoas. Esse desempenho, inclusive, despertou a simpatia das pessoas comuns,
habituadas à opressão imposta pelas elites locais. As intervenções do prefeito
incluíram a construção de escolas em povoados, abertura de um posto de saúde e
a implantação de um abatedouro na cidade.
No início de
1929, Graciliano Ramos encaminhou seu primeiro relatório de atividades para o
governador Álvaro Paes. Sintético, o documento discorre sobre o conjunto das
medidas adotado no exercício de 1928. Além do rigor estilístico que,
posteriormente, se tornaria marca de sua produção literária, o documento foge
dos clichês, costumeiros em documentos oficiais, enveredando para uma visão particular
e, às vezes, pessimista, do próprio desempenho e de suas realizações.
Uma das
primeiras medidas anunciadas pelo prefeito foi ordenar as funções dentro da
prefeitura, suprimindo prerrogativas informais que, ao longo do tempo, foram
cristalizando privilégios. É o que se pode observar em um trecho do famoso
relatório: “Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o
Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejassem administrar.
Cada pedaço do município tinha a sua administração particular, com Prefeitos
Coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses resolviam
questões de polícia e advogavam”.
Ao final do
primeiro ano de gestão, Graciliano Ramos se permitiu fazer um balanço do
funcionalismo: “Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam
poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os
atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e,
sobretudo, não se enganam em contas”.
A viabilidade de
sua gestão dependia de arrecadação maior. Contrariando as práticas habituais, que
sobretaxavam os mais pobres enquanto os ricos pagavam pouco ou nenhum imposto,
Graciliano Ramos concentrou esforços na arrecadação de dívidas dos
inadimplentes. Essa medida rendeu-lhe dissabores. Apesar das dificuldades,
manteve-se tenaz: “As despesas com a cobrança de impostos montaram 5:602$244.
Foram altas porque os devedores são cabeçudos. Eu disse ao Conselho, em
relatório, que aqui os contribuintes pagam ao Município se querem, quando
querem e como querem”.
No primeiro ano
de gestão Graciliano Ramos se esforçou para promover investimentos em
infraestrutura. Além de um conjunto de intervenções em estradas para permitir a
locomoção, o prefeito conduziu duas obras que mereceram referência especial no
relatório: a construção da estrada para Palmeira de Fora – cujas obras seriam
concluídas no ano seguinte, aproximando o município de Santana do Ipanema - e a
terraplenagem do bairro da Lagoa, onde se acumulavam mato, imensas quantidades
de lixo e para onde acorriam as águas das chuvas.
Graciliano Ramos
descreveu no documento as dificuldades políticas enfrentadas: “Durante meses
mataram-me o bicho do ouvido com reclamações de toda ordem contra o abandono em
que se deixava a melhor entrada para a cidade. Chegaram lá pedreiros – outras
reclamações surgiram, porque as obras irão custar um horror de contos de reis,
dizem. (...) O que a prefeitura arrecada basta para que não nos resignemos às
modestas tarefas de varrer as ruas e matar cachorros”.
E conclui,
amargo, o relatório referente a 1928: “Procurei sempre os caminhos mais curtos
(...) Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados;
outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não
paguem impostos (...) Há quem ache tudo ruim (...) Há quem não compreenda que
um ato administrativo seja isento de lucro pessoal”.
Triste realidade
que se arrasta até os dias atuais.
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