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Um dia de verão em Feira

Quem pensa no verão imediatamente associa a estação ao litoral. Com ele vêm à mente as praias lotadas, os corpos bronzeados, os mariscos degustados como aperitivo, a cerveja gelada e as férias. Manhãs e tardes ganham luzes e cores espetaculares, que extasiam os turistas e, também, aqueles nativos com sensibilidade poética mais aguçada. É período de descanso, de flanar, pouco envolvido pelas asperezas do cotidiano. Mesmo quem trabalha se contagia, nas folgas eventuais, com o clima mais suave que se estende de dezembro a março.
         Ainda não alcançamos a estação, mas aqui na Feira de Santana os primeiros sinais vão se afirmando, inequívocos, mesmo para os mais desatentos. As madrugadas são mais curtas e, lá pelas quatro horas, as luzes da manhã, ainda tímidas, começam a romper a escuridão. O sopro frio da noite vai se aquecendo com as primeiras luzes e efervesce com os primeiros raios de sol.
      A manhã precoce atrai muitos atletas, seduzidos pelo sol morno. Esses destoam dos primeiros trabalhadores, que se amontoam pelos pontos de ônibus, à espera da condução. Os mais atentos sorvem a tênue luz azul dos inícios de manhã. Esse espetáculo segue como dádiva gratuita.
    Lá pelas noves horas o sol pontua no céu como astro implacável. Sua luminosidade parece perscrutar todos os recantos. Quem caminha busca sombras providenciais, que vão se encurtando à medida que a manhã avança. Nuvens eventuais asseguram uma trégua precária, que às vezes reforça a sensação de abafamento.
      Nos dias de sol intenso, ao meio-dia, as copas das árvores refletem uma luz metálica, esbranquiçada: é quando cessa até mesmo a brisa mais leve e a paisagem torna-se estática, recordando flagrantes fotográficos. Nesses momentos, transeuntes ávidos disputam as sombras avaras com sofreguidão. Os mais prudentes exibem pitorescas sombrinhas.
            O aguardado armistício solar é pontual: retarda-se até as quatro da tarde, quando o astro vigoroso finalmente começa a declinar no horizonte. Pelas ruas, as pessoas recobram o ânimo, agitando-se. Parecem despertar de um torpor que as torna exangues.
            A trégua começa quando os raios do sol adquirem um curioso paralelismo em relação à superfície do planeta. Aqui por baixo começa a bafejar um vento mais suave, prometendo noite menos escaldante. A partir daí, anuncia-se o clímax dos dias de verão, com o espetacular pôr-do-sol. É momento de beleza rara em todos os lugares e, aqui pelo portal do sertão, encarna características particulares.
Nele, a caatinga que antecede Jaguara e Bonfim de Feira avermelha-se com tons vívidos para, depois, tornar-se azulada, até se diluir na noite preta sertaneja. No céu, o espetáculo não é menos majestoso: o azul suave se dilui aos poucos, sangrando com a vermelhidão que finda o dia; no quadrante oposto, o azul se transmuta em tons esverdeados até ceder à escuridão indevassável.
A essas horas, tímidas lâmpadas alaranjadas se acendem pela paisagem feirense. Com o avanço da noite vão se impor com seu tom melancólico, mesmo quando contrastam com as estrelas que reluzem, festivas. Mas, naquele momento, figuram modestas, iluminando o casario que também se azula sob o poente. 
Apesar dos densos espetáculos, a Feira de Santana se esvazia ao longo do verão. Quem pode, veraneia em chalés elegantes no litoral norte da Bahia; quem não pode, contenta-se com os finais de semana fervilhantes nas disputadas praias que margeiam a Baía de Todos os Santos.

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