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Os riscos da hipotética deposição de Michel Temer

Aqui e ali, diluídos no meio do noticiário, já surgem comentários sobre a possibilidade de Michel Temer (PMDB-SP) ser apeado do poder, da mesma forma que sua antecessora, Dilma Rousseff (PT). As razões variam: crime de responsabilidade no controverso episódio do edifício “La Vue”, em Salvador, irregularidades na prestação de contas eleitorais e, também, encrenca com as delações da operação Lava Jato. Temperando o mal-estar, a aguda crise econômica que, até agora, não dá sinais de que vá arrefecer no curto prazo. Indicativo que a instabilidade política vai se estender por 2017.
A oposição já se assanha, prometendo protocolar pedido de impeachment na Câmara dos Deputados. No momento, a iniciativa parece fadada ao fracasso: o polêmico presidente conta com base ampla e o pedido não deve prosperar. Mas ninguém sabe até quando essa tranquilidade deve prevalecer, sobretudo em função do cenário econômico adverso e das escassas medidas de curto prazo para reverter a recessão. Isso para não mencionar a eloquente impopularidade do mandatário.
Eleições diretas estão descartadas: elas só seriam convocadas se Michel Temer deixasse o poder agora em dezembro, o que é uma hipótese remota. Caso vingue alguma razão para o afastamento, caberá aos deputados eleger o “presidente-tampão”, cujo mandato expira em 2018. Mesmo assim, a atual oposição – que era governo até outro dia – anima-se com a hipótese.
Desesperador é pensar no perfil dos potenciais eleitores do “presidente-tampão”: os mesmos deputados que referendaram a rasteira do impeachment de Dilma Rousseff. É difícil imaginar que, dessa barafunda, não saia alguém comprometido com o consórcio das bancadas do dízimo, da bala e do boi. Ou com a arraigada cultura fisiológica do chamado “centrão”.

Ditadura?

Não é improvável que, do lodaçal político no qual o Brasil enveredou, não saia, como mandatário, um religioso desvairado ou um radical da extrema-direita. Tudo é possível, desde que o País optou por rifar a chamada “Nova República” e a incipiente e imatura democracia. Migraríamos, portanto, de um cenário de crise intensa para uma catástrofe sem subterfúgios.
Michel Temer herdou a presidência como beneficiário de uma manobra sórdida. Jamais alcançaria o posto pelo voto popular e os baixíssimos índices de popularidade atestam sua rejeição. Mas, até pelo seu temperamento hesitante, dúbio – frouxo mesmo –, não parece alguém talhado para exercer o poder de forma discricionária. É figura de balcão, de manobra miúda, de espertezas rasteiras.
No salseiro que pode se seguir à deposição de Michel Temer – caso ocorra –, todavia, pode emergir alguém com o perfil exaltado por muitos desvairados de redes sociais. Um redentor, envolto no surrado discurso da ética para consumo externo. Pelo mundo pululam exemplos de guinadas à direita, com ranço xenófobo e totalitário. Por que o Brasil permaneceria imune?
Quem peleja pela deposição de Michel Temer deveria refletir sobre esse cenário. É claro que, eventualmente, esse retrocesso pode ser apenas retardado, emergindo das urnas em 2018. Mas o fato é que, hoje, o mundo se parece cada vez mais com aquele que se seguiu à Grande Depressão nos anos 1930 e arrastou a humanidade para o maior conflito de todos os tempos na década seguinte...

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