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O drama do desemprego no mês do Natal

Milhares de feirenses vão atravessar o Natal à procura de emprego. Muitos fazem isso desde o ano passado, quando a profunda crise econômica extinguiu, no município, mais de 6,5 mil postos de trabalho. Ao longo de 2016 a recessão seguiu intensa, apesar das projeções otimistas que foram sendo lançadas a partir de maio, quando Dilma Rousseff (PT) foi deposta. Desde janeiro, são 4,4 mil empregos a menos. Em pouco mais de dois anos, quase 10% dos postos de trabalho formais, na Feira de Santana, foram extintos.
Comentou-se muito que, em meados de 2016, o cenário estaria mais favorável. Pelo menos estaríamos alcançando o fundo do poço. Não é o que apontam os mais recentes indicadores econômicos. E a própria equipe econômica do atual governo já projeta que o desemprego só começa a declinar a partir do segundo semestre do próximo ano.
Em pouco mais de uma década o brasileiro foi perdendo a memória dos tempos ásperos de desemprego elevado e dinheiro curto. Acostumou-se com a relativa fartura. Milhões ascenderam socialmente e passaram a consumir produtivos proibitivos noutras épocas. O País embalava, mesmo com a crise intensa que continha o crescimento mundial desde 2008.
Pois bem: a farra consumista não durou muito, esbarrando numa recessão brutal, sem precedentes em décadas. Junto com o petismo, ruiu o discurso da prosperidade permanente, do consumo sem freios, do paraíso capitalista sem sustos, que alavancava as candidaturas da legenda. Não demorou e a cantilena da austeridade seletiva – sacrifícios, somente para os mais pobres – retornou com intensidade.

“Natal da lembrancinha”

Ironicamente, essa cantilena reverbera justamente na época em que o consumismo é mais estimulado. Graças aos planetários ardis da fraternidade de mercado que os brasileiros vão às compras, desembolsando o suado décimo-terceiro salário em incontáveis presentes de Natal. A persistência da crise, porém, vai converter a celebração natalina em mais um “Natal da lembrancinha”, conforme expressão consagrada na duríssima era Fernando Henrique Cardoso, na já distante década de 1990.
A decoração natalina é menos ostensiva em anos de crise. Mesmo assim, pontua na paisagem dos centros comerciais. Ao longo dos dias, as rotinas ajustam-se aos imperativos das celebrações de final de ano. É difícil ignorá-las, fingir que se trata de uma época normal, escapar às habituais trocas de presentes, às ceias e às comemorações. Tudo isso exige dinheiro no bolso.
Quem perdeu o emprego no leviatã de demissões não fica imune às canções típicas da época, aos apelos do consumo, aos imperativos da mesa farta, às custosas celebrações familiares. E muitos, que mal haviam ensaiado a festejada ascensão social, acostumando-se aos confortos modestos da emergente “classe C”, acabaram expurgados com a eclosão da crise.
A questão é que natais modestos se contornam. Trágico mesmo é enfronhar-se no janeiro escaldante sem perspectivas. Organismos internacionais estimam que a economia brasileira não vá crescer além de 0,5% em 2017 e modestos 1,2% em 2018; conforme o próprio governo reconhece, o desemprego só deve começar a arrefecer – caso o faça – no segundo semestre do próximo ano; e o garrote nos gastos sociais deve se intensificar, penalizando os mais pobres.
Apesar dos onipresentes discursos da prosperidade, são tempos de provação e dificuldades. Neles, certas esperanças soam como ingênuas.

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