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Ecos da Mantiba




               
                Circulou amplamente pelas redes sociais um vídeo no qual o prefeito José Ronaldo de Carvalho foi vaiado em uma reunião com moradores da Mantiba, localidade rural pertencente ao distrito de Jaíba, na Feira de Santana. Na oportunidade, o prefeito compareceu à comunidade para explicar a aprovação de uma lei na Câmara Municipal, de iniciativa do Executivo, que cria mais seis bairros no município, entre eles o da Mantiba.  No vídeo, é visível a insatisfação dos moradores com a medida anunciada pela prefeitura.
                Com a criação do novo bairro, os moradores apontam o risco de perder benefícios decorrentes de suas atividades rurais. Entre esses benefícios estão iniciativas do Governo Federal, com o Garantia Safra e o Pronaf, que destinam recursos para agricultores familiares. Outros riscos apontados são a perda do direito à aposentadoria rural e a participação no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que implica na compra de itens da merenda escolar junto a agricultores familiares.
                A comunidade da Mantiba se mobilizou: uma comissão visitou o INSS e obteve a informação – segundo noticiou a imprensa feirense – que a aposentadoria rural pode, de fato, ser perdida; na EBDA, foram informados que podem perder a declaração de aptidão ao Pronaf, recurso fundamental para os pequenos agricultores, sobretudo aqueles que vivem acossados pelo fantasma das secas.
                A polêmica ultrapassou as fronteiras feirenses:  sob a velocidade alucinante da Internet, a notícia alcançou sites e blogs de municípios vizinhos e, no início da semana, já chegava a Salvador. O silêncio que caracterizou a tramitação da proposta na Câmara Municipal foi sucedido por sonoros protestos da população insatisfeita.
                Equívocos
                A tramitação do projeto foi marcada por uma série de equívocos. O mais óbvio deles foi encaminhar uma proposta que mexe profundamente com a vida de uma comunidade sem qualquer tipo de discussão com a parte interessada. Caso houvesse um entendimento prévio – qualquer que fosse o resultado – o Executivo Municipal não colheria tamanho desgaste.
                O segundo equívoco – que deriva do primeiro – foi a tramitação açodada, sem qualquer prazo para discussão. Em apenas dois dias, apreciou-se um projeto polêmico, com 23 páginas que exigiriam uma análise mais cuidadosa, e houve a aprovação. Nesse episódio, a propósito, os vereadores governistas não podem fugir de suas responsabilidades, já que aprovaram sem qualquer contestação.
                O terceiro equívoco – que é o mais fundamental – é que questões do gênero deveriam ser tratadas no âmbito da construção do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) do município. Para discutir a criação de novos bairros é que existem as audiências públicas. Improvisos do gênero apenas vão tornar mais difícil a elaboração do plano lá adiante, caso ocorra de fato.
                Planejamento
                Uma característica fundamental da Feira de Santana ao longo das últimas décadas tem sido crescer sem nenhum tipo de planejamento urbano. A criação dos seis novos bairros, sem qualquer discussão com a comunidade, com tramitação a jato da matéria, apenas reforça essa característica. Os interesses do mercado imobiliário e a aflição dos sem-teto é que tem dado os rumos da expansão urbana feirense.
                Há alguns meses foi amplamente noticiado que a Uefs iria colaborar com a elaboração do plano diretor da Feira de Santana. Pelo visto, a iniciativa não é prioritária, já que desde então o tema sumiu do noticiário. No mais, só se fala em plano diretor quando algum empresário reclama das dificuldades para definir investimentos no município.
                O curioso é que muito se falou em PDDU nas eleições municipais de 2012. Claro que boa parte do debate foi conduzido por Jhonatas Monteiro (PSOL) e por Zé Neto (PT), candidatos com um histórico de oposição no município. Mas parece que é chegada a hora da Feira de Santana adotar o planejamento como instrumento de desenvolvimento. Afinal, as vaias da Mantiba ainda ecoam nas redes sociais...

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