Um dos mais
destacados líderes da Revolução Russa de 1917, Lênin definiu com muita
propriedade os momentos mais intensos de efervescência revolucionária: “Há dias
que parecem anos”. Ele falava com conhecimento de causa: graças à sua aguda
percepção, os bolcheviques capitalizaram a insatisfação reinante na Rússia e
capitanearam o movimento que culminou com a derrubada do czarismo arcaico e
implantaram o regime comunista soviético que parecia sinalizar para o futuro da
humanidade.
Como
todo mundo sabe, a União Soviética ruiu em 1991, mas Lênin entrou
definitivamente para a História como um dos mais perspicazes líderes
revolucionários. Essa perspicácia, a propósito, em parte deriva de um detalhe
nada desprezível: mais que um líder bolchevique, Lênin foi um entusiasmado e
prolífico teórico da Revolução. Durante mais de três décadas, aliou sua prática
a uma imensa capacidade de reflexão.
No
calendário linear de junho passado o Brasil viveu uma experiência política
equivalente a muitos anos. Claro que, por aqui, não se pensa numa revolução,
pelo menos não nos moldes soviéticos. Mas o fato é que, em pouco mais de 20
dias, as aparentemente sólidas placas tectônicas da política e das eleições
brasileiras se moveram.
É
difícil prever o que virá: o ritmo frenético adotado pelos políticos pode se
estender por muito tempo, se as pressões das ruas continuarem. Ou pode
amortecer nuns poucos meses, a depender da capacidade de mobilização da
garotada que dialoga via redes sociais. Por ora, o grande mérito das jornadas
de junho foi sacolejar a previsível e sonolenta política brasileira.
Ganhos
À primeira
vista, os ganhos foram expressivos: redução do preço da passagem em muitas
cidades; rejeição da PEC 37; arquivamento da proposta medieval da “cura gay”;
redução do recesso parlamentar em assembleias legislativas, inclusive a baiana;
e destinação dos royalties do petróleo para a educação e a saúde. Tudo isso
votado numa velocidade pouco usual para a lógica parlamentar brasileira.
Mais:
a proposta de “flexibilização” da Lei da Ficha Limpa foi, por ora, abandonada. Caso
prosperasse, as excelências que chefiam o Executivo só teriam seus direitos
políticos suspensos se o Legislativo rejeitasse suas contas. Já não bastaria, portanto,
apenas o posicionamento contrário dos órgãos de controle. Não é preciso se
esforçar tanto para imaginar que a lei, em pouco tempo, se tornaria letra
morta. De quebra, nossos nobres parlamentares ainda aprovaram ficha limpa para
ocupantes de cargos de confiança.
A
produtividade atípica atesta que a modorra parlamentar só foi interrompida
porque o povo foi às ruas. Caso as pressões arrefeçam, é muito provável que, em
pouco tempo, a rotina de debates bizantinos, negociatas inconfessáveis e
desfrute de mordomias nababescas se restabeleça.
E Feira?
Na Feira de
Santana, os milhares de jovens que foram às ruas não obtiveram nenhum tipo de
resposta satisfatória. Matreiros, os vereadores saíram em férias sem se
posicionar: alguns pouco se limitaram a enaltecer o caráter cívico das
manifestações, esquivando-se de temas espinhosos, como a CPI do transporte
público no município. Outros se mantem em silêncio, confiantes na memória curta
do eleitor.
O
Executivo sinalizou com a adoção de uma nova metodologia de planilha, com prazo
generoso para a comissão responsável se posicionar: dezembro próximo, ou quase
seis meses. Nenhuma palavra foi ouvida sobre redução do preço da tarifa,
conforme pleitearam os manifestantes, entre inúmeras outras reivindicações.
A
Revolução Russa que Lênin capitaneou naufragou, em parte, em função da
excessiva centralização decisória. É o mesmo mal que acomete, hoje, a jovem
democracia brasileira. Quem pretende sobreviver na política precisa entender
que, mais que uma lista de reivindicações, o que os jovens brasileiros
reivindicam é mais espaço para a participação e o exercício da cidadania.
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