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A Copa das Insatisfações II



                     
               
Depois de um mês de manifestações que deixaram o Brasil entusiasmado e a classe política em polvorosa, os primeiros resultados começam a aparecer. Um dos mais importantes foi a rejeição à PEC 37, que limitava os poderes de investigação do Ministério Público, conforme propunha um obscuro deputado federal do PT do B do Maranhão. Também foi rapidamente votada a destinação dos royalties do petróleo para a educação, depois de meses de injustificadas delongas. Isso para não falar na redução dos preços das passagens em dezenas de cidades brasileiras, o que constituiu a principal pauta local do movimento.
                A causa fundamental de todas as manifestações, porém, está apenas começando a ser discutida: a oxigenação da atividade política no País, com a construção de canais que permitam à sociedade maior participação nas decisões. Executivo e Legislativo se mexem para apresentar propostas, mas parece que a pauta é muito pobre para as aspirações e expectativas da garotada que está indo às ruas. Limita-se a algumas medidas cartoriais, pouco profundas e incapazes de corrigir todas as distorções.
                A primeira grande lição a se extrair é que os partidos políticos precisam evoluir: de únicos protagonistas das decisões políticas, precisam arejar-se, integrar-se mais à vida verdadeira das ruas. No fundo, não existe uma utopia anarquista antipartidária: o que há é um profundo desconforto com o funcionamento dessas instituições, o que também ocorre em outras partes do mundo.
                Há, também, um imenso descontentamento com os bilhões destinados à festa da Fifa, enquanto a população padece com problemas de países profundamente pobres, como horrorosas filas em hospitais e educação de péssima qualidade. Isso a chamada grande mídia tentou camuflar – ela própria embolsará milhões com a Copa 2014 – mas as redes sociais cumpriram bem o papel de fortalecer o debate da garotada.
                Grande Mídia
                Ao contrário do que se apregoa, a grande mídia é contrária ao povo nas ruas. Afinal, o roteiro de todos os telejornais era basicamente o mesmo: primeiro a breve exaltação das mobilizações e da democracia; depois, a farta cobertura dos atos de violência protagonizados por uma minoria. Isso para não mencionar as pesquisas tendenciosas e a cobertura tortuosa que privilegia os temas dos poderosos patrões midiáticos.
                As manifestações também abalaram as concepções tradicionais: a velha esquerda ficou desarvorada com o surgimento de uma massa sem líderes e sem agenda pré-definida; a velha direita segue alarmada com mobilizações que podem descambar para discussões sobre as desiguais estruturas econômicas do País.
                Num discurso célebre nos anos 1960, Caetano Veloso disse que a juventude de então não estava entendendo nada. Pois bem: os jovens envelheceram, parte deles chegou ao poder e segue sem entender muito do que se passa nos dias atuais. Registre-se: tanto do governo, quanto da oposição.
                Feira de Santana
                Semana passada a Feira de Santana debutou nas recentes manifestações. Milhares de garotos e garotas estrearam na vida política de forma pacífica e festiva, apresentando nos cartazes suas aspirações por um Brasil melhor mas, também, uma pauta local que envolve problemas que se arrastam há décadas, como o péssimo e caro transporte coletivo.
A reação oficial a essa exuberância democrática não poderia ser mais lastimável: a Câmara Municipal, sintomaticamente, se escondeu detrás de tapumes róseos. Parece que pretende seguir, portanto, no jogo de sujeição ao Executivo que tanto vem sendo criticado pelas vozes juvenis que ecoam nas ruas.  O prefeito, por sua vez, só no fim da noite, após a manifestação, esclareceu por onde andava. E só.
Apesar de vitórias obtidas até aqui – o que inclui a redução das tarifas – os jovens permanecem nas ruas. Na Feira de Santana, é provável que as manifestações continuem. Afinal, um silêncio sepulcral foi a única resposta obtida pela garotada até aqui, sobretudo em relação ao transporte coletivo local. Talvez decidam permanecer nas ruas até conseguir algum resultado concreto...

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