As passeatas
que reúnem multidões em diversas capitais brasileiras há cerca de duas semanas
sinalizam para o fim de uma era na política brasileira: o protagonismo de
tradicionais partidos de esquerda, sobretudo o Partido dos Trabalhadores (PT) e
o Partido Comunista do Brasil (PC do B), na condução dos mais importantes
movimentos reivindicatórios no País. Principais atores desde o início da década
de 1980, quando o Brasil lutava para enterrar a Ditadura Militar, esses
partidos definham aos olhos da multidão de jovens que vai às ruas, finalmente,
lutar contra “tudo isso que está aí”.
A
perda do protagonismo da velha esquerda justifica-se, essencialmente, por duas
razões. A primeira delas é que, confortavelmente encastelados no poder, jamais
as lideranças desses partidos vão às ruas reforçar protestos contra o que quer
que seja. O que é até natural. A segunda razão é que uma profunda descrença nas
instituições políticas – sobretudo os partidos – marca a garotada que foi pro
asfalto.
O
aumento da tarifa de transportes em São Paulo foi o estopim, mas não é a causa
fundamental de tantas manifestações. O reajuste foi apenas o pretexto para que incontáveis
insatisfações difusas viessem à tona. Acompanhei com atenção a passeata
promovida pelos estudantes na segunda-feira, em Salvador, e fiz algumas
constatações.
A
primeira delas é que não existe uma reivindicação uniforme: o preço das
tarifas; a qualidade do transporte público; as intermináveis obras do metrô; os
precários serviços de saúde e educação; e a corrupção são apenas alguns dos
temas apresentados em centenas – talvez milhares – de cartazes.
Copa do Mundo
Talvez
a questão que sintetize a insatisfação da “Pátria de Chuteiras” sejam os gastos
suntuosos com a Copa do Mundo – sobretudo com a construção de estádios que,
após o mundial, serão meros “Elefantes Brancos” –, que se tornaram visíveis com
o início da Copa das Confederações. Sem serviços públicos de qualidade, os
brasileiros veem os cofres públicos drenados para atender os luxos
despropositados da indústria da bola, particularmente da toda-poderosa Fifa.
A revolta é ainda maior porque todas as
promessas dos últimos anos mostraram-se, na verdade, mera balela: o alegado
legado não passou de propaganda mentirosa, sobretudo no caso de Salvador, cuja
população sofre com a trágica imobilidade urbana; os prometidos benefícios –
mais turismo, mais dinheiro circulando, mais emprego e mais inclusão social –
mostraram-se mera mistificação, mas que ainda vão render muitos discursos.
Ao
largo da Copa do Mundo, o Brasil segue um país violento, cuja juventude é
assassinada todos os dias; os trabalhadores penam no transporte público
precário; as desigualdades sociais seguem abissais. E isso apesar de todos os
inquestionáveis avanços observados nessa década de governos petistas, já que o
que havia antes era muito pior.
Feira de Santana
Na
Feira de Santana, uma manifestação foi marcada para a tarde de ontem. Em função
dos prazos de fechamento do jornal, não podemos retratá-la hoje. Mas sabe-se
que, para além do péssimo transporte público, a juventude tem inúmeros motivos
para se manifestar: a cidade não tem espaços dignos de lazer; o incentivo à
cultura é mínimo; oportunidades de trabalho e qualificação profissional são
sonhos distantes; e a classe política pouco ou nada representa os mais jovens.
A
violência, que só no último fim de semana tirou nove vidas na cidade, afeta
sobretudo a juventude residente na periferia. Políticas de prevenção ao uso de
drogas não existem, o que contribui para o recrutamento de jovens para o
sedutor mundo das drogas. Muitos tornam-se dependentes químicos e viram presas
fáceis para os assassinos em motocicletas.
É
muito positiva a mobilização dessa garotada brasileira. Em Salvador, alguns
cartazes sintetizavam bem o momento que vivemos: “Saímos do Facebook”. Outro
incitava a participação com criatividade: “Cidade muda não muda”. Parece que a
mobilização juvenil é o principal legado da Copa das Confederações 2013...
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