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Banho de Sangue: mais de 3 mil homicídios desde o ano 2000




            A frase acima é digna de figurar nas manchetes dos jornais sensacionalistas que fazem tanto sucesso junto aos segmentos populares. Mas, apelativo ou não, o título  define bem como é o dia-a-dia na Feira de Santana que, na quarta-feira 18, completou 180 anos de emancipação. Num único dia, na segunda-feira, em pleno início de semana, meia-dúzia de pessoas foram assassinadas. Só não há surpresa na “Geografia da Morte”: Baraúnas, Tomba, Queimadinha, Campo do Gado Novo e Feira X costumam figurar entre as comunidades mais expostas à violência no município. Foi onde tombaram cinco vítimas.
            Notícias oficiais dão conta que a violência vem diminuindo na Bahia e, também, na Feira de Santana. E os números são robustos: passam dos 20% e, em algumas situações, aproximam-se de 30%. Haveria amplos motivos para comemoração, se o contexto não estivesse sendo excluído da análise.
Em 2012, a Polícia Militar enveredou por uma greve cujas principais cenas foram dignas de um levante. Até o Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, tentaram tomar, para chantagear o Governo do Estado, ameaçando soltar presos. Isso a imprensa divulgou fartamente, inclusive com o registro de conversas entre grevistas amotinados.
O desdobramento óbvio desse enredo foi o aumento do número de homicídios. Em fevereiro, mês da greve, morreram na Feira de Santana 56 pessoas assassinadas. Ao longo do ano de 2012 foram 412 assassinatos. Até então, o recorde havia sido registrado em 2010: 397. Parece óbvio que “comemorar avanços” é mais marketing político que análise equilibrada. Por um motivo muito simples: ano passado, a Bahia viveu uma situação de renhida guerra civil.
Milhares de mortos
Dados levantados pela Polícia Civil e amplamente divulgados pela imprensa feirense indicam que, entre 2000 e 2012, foram assassinadas exatamente 3.058 pessoas na Feira de Santana. O ano mais tranquilo foi exatamente 2000, com 121 mortes; o pior, já mencionado, foi 2012, com 412 assassinatos.
Entre 2000 e 2006 – quando a Bahia era governada pelo extinto PFL, atual DEM – foram 1.010 assassinatos; entre 2007 e 2012 – num mesmo intervalo de sete anos sob o PT – foram assombrosos 2.048 assassinatos. Mais que o dobro. Somados os números de 2013, estamos próximos da barreira dos 2,3 mil homicídios desde 2007.
Prolongados conflitos armados em regiões remotas do planeta – como a África Subsaariana ou o conturbado Oriente Médio – nem sempre registram tantas mortes. Aqui, a geografia ainda apresenta requintes de perversidade. Bairros esquecidos pelo poder público, onde educação, saúde, saneamento e emprego são abstrações em discursos na tevê, estão ainda mais reféns dessa epidemia cujo final sequer se imagina.
Perfis
O perfil de quem morre é amplamente conhecido: jovens negros, residentes em bairros periféricos, com baixo nível de instrução, desempregados e que, provavelmente, já abandonaram a escola. Quem mata é uma incógnita: poucos crimes são esclarecidos e vive-se à base de suposições. Em quase todos os boletins de ocorrência indica-se que a vítima tinha envolvimento com a criminalidade o que é, simultaneamente, justificativa e sentença condenatória.
Lembro que, quando militava no jornalismo policial em meados dos anos 1990, o número de homicídios passava de uma centena anualmente. Mas, ainda assim, cada morto tinha um rosto e uma história. Hoje as mortes são retratadas em relatos sintéticos e imediatamente esquecidas. Apresentadas pelas autoridades em planilhas anódinas, diluem o drama e a tragédia da violência.
Ano que vem tem Copa do Mundo no Brasil. Como será necessário oferecer segurança aos estrangeiros, talvez a Segurança Pública registre uma queda drástica na violência. Essa tendência, porém, talvez não se aplique à realidade das periferias, já que a “Geografia da Morte” é variável implacável nesse locais, distantes dos olhos deslumbrados dos turistas... 


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