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O desafio para frear a pandemia do Covid-19 em Salvador

– Falam que é o pessoal da favela que não cumpre isolamento. E aqui?

A frase é de um agente de limpeza pública de Salvador. Ele transitava pelo calçadão da Barra num início de tarde. À distância, o Morro do Cristo, muito verde, destacando-se contra o fundo azul do céu e do mar. Em volta, dezenas de pessoas: ciclistas, corredores e transeuntes misturando-se ao trânsito de veículos do espaço famoso. Pouca gente usava máscara, como é a praxe entre aqueles atletas amadores. Transportando um ancinho, o gari balançava a cabeça, indignado.

As chuvas têm sido intensas e frequentes em Salvador desde abril. Quando o sol desponta – às vezes basta um curto armistício, mesmo sob o céu plúmbeo – muita gente vai à orla exercitar-se. É da índole do soteropolitano saudar o sol depois de extensos períodos chuvosos. Com a pandemia e o isolamento social parece que essa necessidade cresceu. O problema é que pouca gente usa máscara e respeita aquela distância de 1,5 metro.

Na capital a prefeitura não tem sido negligente. Muito pelo contrário. Fiscais inspecionam se há banhistas nas praias e até carro de som recomendando que os pedestres fiquem em casa eu vi. Pituba, Plataforma, Boca do Rio e a fervilhante avenida Joana Angélica foram interditados. É possível que, nos próximos dias, medidas idênticas sejam estendidas a outros bairros.

A elevada densidade demográfica torna o combate ao Covid-19 mais árduo em Salvador. Centenas de favelas escalam morros, espraiam-se pelos vales, espremem-se contra encostas. São raros os largos, as praças. Onde seriam desejáveis avenidas, veem-se ruas estreitas, acanhadas. A regra são as vielas – em muitos lugares, quase túneis de alvenaria – por onde se deslocam milhares de soteropolitanos.

Os corredores quentes, estreitos, úmidos e escuros – impregnados dos odores dos dejetos escoados precariamente – provocam sensação de abafamento, claustrofobia. É nesses ambientes que parcela significativa da população deve, em tese, permanecer confinada. Difícil conseguir fazê-lo por longos períodos, como a pandemia exige.  Daí as medidas restritivas, a fiscalização mais intensa.

Feira de Santana ostenta, portanto, uma vantagem relativa na comparação com capitais como Salvador: não é acidentada, com ladeiras e vales, e tem poucas áreas densamente povoadas.  População mais esparsa ajuda a diminuir os riscos de contaminação. A questão é que, aqui, a infraestrutura de saúde – hospitais, leitos de UTI, profissionais de saúde – é muito mais precária que nas capitais. Daí a importância adicional do isolamento social.

A reabertura do comércio feirense trouxe apreensão para quem se informa e acompanha a evolução da pandemia mundo afora. Só agora a Europa – que recorreu à quarenta e não ao isolamento social – está retornando à rotina, mas com muita cautela. Não se descarta, inclusive, novo fechamento caso haja um repique na contaminação pelo Covid-19. É o que se comenta na Alemanha e na França.

Prudência não é o forte de muita gente no Brasil. O péssimo exemplo começa com o presidente da República, Jair Bolsonaro, o “mito”, que classificou a doença como uma “gripezinha”. Suas bizarrices tornam mais difícil o combate à pandemia em lugares prenhes de favelas e desigualdades, como Salvador.

Na Bahia, o número de mortos e contaminados vêm crescendo, conforme já era esperado. Mas, segundo as autoridades, menos graças às medidas restritivas. Na segunda quinzena de maio, o Brasil – e a Bahia – estarão mais próximos do pico da pandemia.


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