Pular para o conteúdo principal

Certeza da “Década perdida” compõe cenário eleitoral

É duro o cenário de crise econômica que o Brasil vive nessa década. Conforme havíamos apostado – isso há uns três anos, quando a crise se desenhava muito mais terrível do que aquilo que os discursos oficiais admitiam – trata-se, na prática, de mais “uma década perdida” para a economia brasileira. A expressão foi consagrada nos anos 1980, quando as taxas de crescimento declinaram, no caos que marcou o epílogo da ditadura militar. Naquela época, porém, havia muita esperança: o País emergia do tenebroso regime autoritário e, nas ruas, nas praças e nos corações, havia a fé num futuro melhor. Bem diferente do que se vive hoje.
Projeções indicam que, entre 2011 e 2020, o Brasil deve crescer ínfimo 1%. Isso se a expectativa de um crescimento de 2,5% se confirmar nos próximos dois anos, que arrematam o decênio. Dado o conturbado cenário político essa previsão pode, inclusive, não se confirmar. É menos do que se expandiu o Produto Interno Bruto – PIB nos anos 1980: 1,6%.
Embora a trágica gestão de Michel Temer (MDB-SP) tenha contribuído para manter a economia no atoleiro, a responsabilidade, no atacado, cabe ao mandato e meio de Dilma Rousseff (PT), apeada do poder no controverso impeachment de 2016. Foram suas decisões equivocadas que arruinaram a economia do País, levando-o à maior recessão documentada de sua História.
Quem sacou Dilma Rousseff da cartola? Lula, o ex-presidente que legou um País crescendo a 7,5% em 2010 e deixou o cargo com popularidade de 80%. Mas, embora seja corresponsável pelo desastre, Lula – mesmo condenado pela polêmica Operação Lava Jato e preso em Curitiba – cavalga elevados índices de intenção de voto e, ao que tudo indica, poderia vencer as eleições no primeiro turno. Mas teve a candidatura barrada na sexta-feira (31) pela lei da Ficha Limpa e está inelegível. Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo, foi alçado à condição de poste.
É provável que os adversários de Lula explorem o fato: Haddad ascende ostentando a mesma condição de poste de Rousseff. Dessa vez, com um agravante: Lula, responsável por eletrificar ambas as candidaturas, está preso. Parece a combinação perfeita para mais um desastre. Mas, mesmo assim, a expectativa é que o ex-prefeito paulistano ascenda rapidamente nas pesquisas. E as chances de se eleger não são negligenciáveis.
A fé cega de parte do eleitorado em Lula decorre muito do seu carisma e das ações que favoreceram os mais pobres – como o Bolsa Família e os aumentos reais no salário mínimo – mas se escora, também, na ignorância profunda do brasileiro em matéria econômica: aquela prazerosa sensação de felicidade – a antecipação do consumo – foi seguida da terrível crise, que se estende até os dias atuais. São fenômenos que se conectam, embora o imaginário popular se fixe na relativa abundância que marcou seu segundo mandato, ignorando o desastre da sequência.
Caso consigam comunicar adequadamente que o prolongado engasgo econômico se vincula àquele soluço de prosperidade do final da década passada, talvez os concorrentes consigam frear parte da ascensão de Fernando Haddad. Só que ele seguirá como um dos favoritos na corrida presidencial, porque pouca gente enxerga a encruzilhada que se desenha lá adiante.
Cenário mais instável – e muito mais funesto – que a vitória do petismo só com o triunfo de Jair Bolsonaro (PSL). Nos últimos dias vêm se avolumando declarações assustadoras do candidato, que provocam inquietação crescente nos segmentos mais esclarecidos da sociedade. Lá fora, o jornalismo questiona seu compromisso com a democracia e com as instituições. Como por aqui se valoriza pouco essas coisas, o candidato segue na ponta, liderando as pesquisas.
A capacidade dos demais concorrentes de chegar ao segundo turno é muito questionável. Inclusive de Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, que aposta suas fichas no tempo de tevê. Petistas e tucanos – protagonistas nas últimas cinco eleições presidenciais – sonham em enfrentar Jair Bolsonaro no segundo turno. Julgam que é o candidato marcado para perder. É bom moderar a confiança, porque o imponderável – e o imprevisível – vem rondando o cenário político brasileiro nos últimos tempos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express