Pular para o conteúdo principal

A vacuidade de projetos nas eleições presidenciais

Insisto em batucar a mesma tecla sobre as eleições presidenciais – ainda que sob o risco de irritar o leitor –, mas é necessário saber o que os candidatos pretendem fazer para tirar o Brasil da profunda crise econômica que se arrasta há três anos. Há, à espera de uma oportunidade, 13 milhões de brasileiros, que perderam seu emprego a partir da crise. Também há milhões que trabalham menos do que gostariam ou que desistiram de procurar trabalho e, agora, figuram na categoria dos “desalentados”, acerca dos quais a imprensa repisa sucessivas matérias.
O pior é que, examinando o cardápio eleitoral, não há muitos motivos para projetar esperanças no médio prazo. O leque de opções incluiu um candidato preso – Lula (PT) permanece recluso em Curitiba –, que lidera as pesquisas, e o segundo colocado não vai além dos elogios ao regime militar e à defesa do armamento da população como medida para conter a violência.
Ambos se situam em polos ideológicos opostos, mas compartilham algo em comum: contam com prosélitos entusiasmados, que lhes devotam uma reverência quase religiosa. Integrante há quase três décadas do baixo clero parlamentar, Jair Bolsonaro (PSL-RJ) é exaltado como “mito” por seus fãs em suas andanças pelo Pais. Não há rótulo negativo que demova seus acólitos de uma devoção que beira o messiânico.
Encarcerado, Lula traça uma trajetória digna de um Dom Sebastião – o rei português morto em batalha que um dia retornará para redimir seu reino, segundo seus devotos - que ressurgiria para restabelecer o passado “glorioso” vivido antes da ruinosa gestão de Dilma Rousseff (PT). É o que o ex-candidato insinuava e o que os seus eleitores aguardavam, conforme se observava pelas ruas. Sexta-feira (31) sua candidatura foi indeferida.
Pálidos
Líder nas pesquisas, a dupla mobiliza séquitos barulhentos que, até aqui, monopolizam o debate eleitoral. Mas – como já se apontou – vem contribuindo pouco para sinalizar sobre o destino do País. De um lado, preso, Lula não podia expor suas ideias, se é que defende algo além do idílico retorno ao passado; do outro, em sucessivas entrevistas, Bolsonaro, sem cerimônia, terceiriza o debate econômico, delegando-o ao seu hipotético ministro da Fazenda.
Diluídos na rabeira eleitoral, os demais postulantes pouco se destacam. Marina Silva (Rede-AC) recauchuta discursos das eleições passadas, insinuando o mesmo vácuo de ideias que inviabilizou suas pretensões pretéritas. Ciro Gomes (PDT-CE), vocifera, tateia à esquerda e à direita, mas, politicamente desidratado por Lula, não parece ser muito capaz de surpreender nas urnas.
Geraldo Alckmin (PSDB-SP), a alternativa de “centro” – inclusive convenientemente acolhido pelo mal afamado “centrão”- é o preferido do “deus mercado”, mas não empolga o povão. Aliás, não vem empolgando sequer seus conterrâneos paulistas, que preferem Lula ou Jair Bolsonaro. Embora refugue, Alckmin herda a base e a agenda de Michel Temer (MDB), o controverso presidente rijamente rejeitado pelos brasileiros. Isso tende a dificultar sua ascensão.

E os projetos?

Mas, preteridos ou não, esses candidatos também pouco contribuem para o debate sobre a crise econômica. Quem se posiciona é sobre questões específicas, orientado por marqueteiros que colhem as impressões das ruas em entrevistas. É o caso, por exemplo, dos juros bancários: todos vociferam, condenam a ganância, porque parece que vai dar votos. Embora provavelmente o vencedor, depois da eleição, vá se dedicar aos rapapés habituais aos donos do capital.
Sobre a tragédia do desemprego, da terceirização, da precarização, pouco se fala. A exceção é Geraldo Alckmin – sintonizado com o trágico governo de plantão – que defende a draconiana reforma trabalhista de Michel Temer. Ou Henrique Meirelles (MDB-GO), que cava trincheiras pelo teto de gastos, aquela medida que bloqueia recursos que, normalmente, são aplicados na prestação de serviços para os mais pobres.
Justiça seja feita: alguns excêntricos defendem o liberalismo à moda tupiniquim: rigor e Estado mínimo pros outros, já que para si reservam o Estado máximo, na forma de crédito subsidiado, isenções e perdão de dívidas. Mas tudo exposto de forma rasa, superficial, conteúdo para, no máximo, um panfleto. Enfim, a campanha avança e a aridez de ideias se descortina, infindável, em direção ao futuro do País...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express