O tom do noticiário
sobre o Carnaval mudou em 2017. Antes, tudo girava em torno da folia
soteropolitana, com seus blocos, seus camarotes, seus famosos, sua badalação,
sua superficialidade. A alegria, a irreverência e a densidade cultural dos
baianos figuravam num plano secundário no jornalismo de entretenimento. E a
segregação e a exclusão, quando apareciam, brotavam como pauta marginal de
algum jornalista excêntrico. Isso quando surgiam, o que costumava não ser a
regra.
Esse ano, a folia em
Salvador ficou menor no noticiário. Tudo por conta da crise de identidade que
impõe uma difícil transição ao Carnaval baiano, cujas estrelas tradicionais decaem.
E, também, por conta do vertiginoso crescimento da festa em metrópoles como
Belo Horizonte e, sobretudo, São Paulo, com milhões de foliões espalhados pelos
diversos circuitos da megalópole.
Em parte, a crise
explica a reconfiguração: sem dinheiro, muitos dos que vinham para a Bahia
desistiram, curtindo a folia em suas próprias cidades, já que sai mais barato.
A situação econômica, portanto, deu o impulso inicial aos blocos que, parece,
podem sinalizar para o futuro da folia nessas cidades.
Por aqui, a lógica
mercantil que regia a organização da festa vergou sob a crise: há menor demanda
por blocos com corda e camarotes. Daí a tentativa de transição abrupta para um
modelo que diverge do que se consolidou nas últimas décadas e que tornou os
barões do Carnaval multimilionários. Mas há, também, a saturação e o declínio
do gênero comercial batizado como “axé music”, com seus pagodeiros e sua música
de qualidade questionável.
Folião
pipoca
Diante desse cenário, o
folião pipoca – o pobre segregado que, sem dinheiro, curtia a festa espremido
nas bordas dos circuitos – foi alçado à condição de celebridade. Do nada,
resgataram o discurso de que a festa se faz em função dele; subitamente, se viu
paparicado, zonzo com o anúncio de incontáveis artistas contratados para fazer
a festa para ele; abruptamente, sua presença indesejada ganhou os holofotes,
positivamente.
Quem transitou por
Salvador ficou estupefato com os renitentes anúncios de atrações voltadas para
fazer a festa do folião pipoca. As cordas – símbolo do Carnaval mercantil e
excludente de anos passados – tornaram-se alvo de críticas ácidas. O que ocorre
é que as cordas foram baixadas, mas a lógica da folia permanece a mesma, pouco
competitiva para o tsunami de blocos que surgiram nos últimos anos em outras
capitais.
É claro que os avanços
observados na reconfiguração do Carnaval de Salvador devem ser comemorados.
Principalmente porque nota-se um esforço – ainda incipiente – de inclusão
daqueles que, por décadas, foram alijados dos festejos. Mas é óbvio que aquele
histórico protagonismo da capital baiana no reinado do Momo foi posto em xeque.
E
Feira?
Tomara que o bafejo
renovador sobre a folia baiana tenha força suficiente para sacudir a Micareta
da Feira de Santana, que em 2017 acontece excepcionalmente em maio. Por aqui, ao
longo dos anos, a festa se tornou objeto de decisões burocráticas, quase
cartoriais, sem o viço e a força que costumam caracterizar esses festejos. Ano
após ano, o que se vê é uma Micareta rotineira, chata, previsível, exangue.
No período, muitos
feirenses preferem viajar, porque a folia perdeu aquela pujança de outrora. O
chamado folião pipoca – aquele que deveria dar o tom dos festejos –, espremido
pelas cordas dos blocos, pelos camarotes e pelas barracas, fica ali contido,
impossibilitado de extravasar, com sua latinha de cerveja na mão.
Lá no futuro, quem
sabe, talvez surjam blocos espontâneos, populares, e a Micareta se
desconcentre, ganhando os bairros, tornando-se plural, refletindo a rica
cultura desse pedaço de País. As condições iniciais para as transformações
começam a surgir, como se vê. Resta saber quando vão transbordar, alcançando a
cidade que detém o título de palco da primeira Micareta do Brasil.
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