Nuvens densas
encobrem o Brasil. Vendavais nefastos varrem o País de norte a sul, assanhando
a poeira tóxica do passado, que hibernava. O ar torna-se, paulatinamente, mais
pesado, mais pestilento, visivelmente irrespirável. Sombras densas, ameaçadoras, afastam a luz do
sol, tangem quaisquer resquícios de luz. Tempestades insinuam-se, tornando ainda
mais deprimentes as expectativas em relação aos próximos dias. Há riscos de
enchente e inundação e o iminente refluxo dos esgotos assusta a população.
Assim,
caricata, essa previsão do tempo resume bem o cenário que se desenha para o
Brasil na quadra vindoura. Sobretudo depois que o presidente do Senado, Renan
Calheiros, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB, uniram-se a
José Sarney – também do PMDB – para sacar da algibeira uma proposta de
parlamentarismo para “salvar” a democracia e “assegurar” a estabilidade
institucional do País, ameaçada pelo impeachment
da presidente Dilma Rousseff, do PT.
Repetem,
literalmente, a fórmula empregada em 1961 para esvaziar o mandato de João
Goulart, à época presidente da República. Aquilo, a partir de 1964, desembestou
em 21 anos de Ditadura Militar. Se vai dar certo, é outra coisa. Mas o simples
fato dessa gente estar se mexendo sinaliza que o flerte recente do país com o
abismo pode evoluir para um salto definitivo.
É
óbvio que Dilma Rousseff faz um governo desastroso sob quaisquer pontos de
vista. Inflação ascendente, desemprego em alta, arrocho salarial, elevação de
impostos e das taxas de juros, infindável crise política, clientelismo e
fisiologismo despudorados e descontrole crescente das contas públicas transformaram
o alvorecer de um segundo mandato num trágico epílogo que, na melhor das
hipóteses, vai se arrastar por quatro longos anos.
Essa
situação, todavia, não justifica o golpe rasteiro do parlamentarismo. Ainda
mais arquitetado por figuras que, há tempos, figuram como destacados protagonistas
de escândalos de corrupção. E – pior ainda – escoram-se na mais lastimável
composição parlamentar desde que o país emergiu da prolongada ditadura.
Parlamento
Redução
da maioridade penal, terceirização e precarização do mercado de trabalho,
anistia de dívidas de igrejas e uma reforma política que reforça o insulamento
e os privilégios da casta política integraram a agenda parlamentar no primeiro
semestre. Tudo isso foi arquitetado pelo presidente da Câmara, que, sob os
holofotes, não perde a pose de Senhor dos Exércitos.
O
vácuo político e o apagão gerencial desse primeiro semestre permitiram até uma
incursão internacional de Eduardo Cunha. Foi a Israel e à Palestina. Quem se
fiou no noticiário ficou com a sensação que ele é o homem certo para resolver o
conflito que se arrasta há décadas. Pior: os líderes daqueles países é quem
pediram sua intervenção. Noutros tempos, essa tragicomédia faria rir. Hoje,
assusta.
Porém,
não restam dúvidas que Eduardo Cunha e sua trupe permanecerão protagonistas da
crise política que pode resultar, até mesmo, no tão almejado impeachment de Dilma Rousseff. O
impedimento, a propósito, transitou da esfera da hipótese para o patamar da
possibilidade. Resta saber o que se pretende colocar no lugar: um parlamentarismo
vaquejado por Renan e Cunha, secundado pelas bancadas da Bíblia, da Bala e do
Boi?
Nas
ruas, o povo padece com a escassez de oportunidades de trabalho, enfrenta uma
severa carestia – para usar uma expressão de outros tempos – sobretudo em
relação às tarifas públicas e se depara com a imensa precariedade de serviços
essenciais como saúde, educação, segurança pública e transportes. Ainda assim,
deve se acautelar. Afinal, tudo pode ficar pior do que já está...
Comentários
Postar um comentário