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Efeitos da crise sobre a Feira de Santana

                
                As crises gêmeas – econômica e política – que afligem o brasileiro nesse amargo 2015 vão, aos poucos, se tornando enfadonhas. Sobretudo em relação às análises: à medida que vão faltando fatos novos, os cronistas começam a se repetir, apontando aspectos que, na véspera, foram esmiuçados por alguém. Outros se limitam a torcer por um dos lados – à moda das gincanas – apostando na retórica arrebatadora para compensar a originalidade escassa. Os mais experientes – e honestos – mostram-se pasmos com a extensão do quiproquó e, principalmente, com sua natureza ímpar, que não permite recorrer às mesmas saídas do passado.
                O brasileiro médio pouco se dedica à exaustiva leitura das análises políticas. Mesmo os analistas da tevê despertam pouca atenção: em geral, o noticiário soa esotérico, quase incompreensível. E o volume de informações disponível é excessivo para quem costuma forjar suas opiniões com base no senso comum.
Deriva dessa disposição de espírito uma análise corrente: a roubalheira sempre foi generalizada nos círculos do poder. O novo, desta vez, foi o magote de prisões. Mas será que a reiterada exposição de misérias não acaba influenciado a percepção do telespectador? É provável, em alguma medida. Mas o que avaliza juízos, de fato, é a leitura sobre a realidade imediata: a vida segue a mesma ou piorou?
A indagação é chave para entender a repercussão do fato em si – a anarquia política e o engasgo econômico – com os seus efeitos sobre a vida prática: a paralisia administrativa, o desemprego, a inflação elevada, os juros altos e seu impacto perverso sobre o bolso do brasileiro médio. Em suma, mais vale analisar a repercussão da crise pela ótica dos efeitos do que por suas causas.

Repercussão

Na Feira de Santana, pouco se falou da crise enquanto ela transitava da abstração macroeconômica para a vida real. Depois, quando os primeiros efeitos começaram a se mostrar, os brasileiros – e os feirenses – passaram a formular uma ideia sobre o que estava acontecendo. Dessa ideia derivou a avaliação extremamente negativa sobre o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT).
A situação, hoje, permite uma cogitação arrojada e, sobretudo, amarga: o ciclo de investimentos do Governo Federal, que marcou a era petista na Feira de Santana, pode estar findando. O maciço desemprego na construção civil, por exemplo – pedreiros e serventes foram os mais afetados –, mostra que o Minha Casa Minha Vida, responsável pela construção de milhares de imóveis na cidade, perdeu ímpeto.
O dramático corte de recursos na Educação, por exemplo, deve retardar por um longo tempo ainda o efetivo funcionamento do campus da UFRB no município. Não é à toa que as universidades federais sustentam uma greve prolongada cujo epílogo não parece estar tão próximo.

Cenário pior

O cenário é ainda pior em relação às promessas que rechearam os programas eleitorais no ano passado.  Intervenções anunciadas ou insinuadas só devem ser retomadas – caso sejam – quando a economia der sinais de recuperação. O grande drama é que os prognósticos mais otimistas só visualizam uma situação melhor lá por 2017 ou 2018. O horizonte é longo demais para quem precisa mostrar resultados no curto prazo.
As esperanças, portanto, devem se concentrar naquilo que já se encontra em andamento: habitações e conjuntos residenciais com obras em curso; conclusão das obras na Lagoa Grande, que se arrastam, infindáveis; implantação do campus da UFRB no município, o que se anuncia desde 2011. São intervenções do ciclo de investimentos que finda e que, caso sejam concluídos, vão contribuir bastante para a cidade.

O trem ligando Feira de Santana a Salvador, a chamada Perimetral Norte e intervenções menores, apenas insinuadas, devem ser vistas com cautela: sinalizam para um novo ciclo que só deve começar, de fato, dentro de dois ou três anos. Isso se a crise política se diluir nos próximos meses, o que pode não acontecer...

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