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Lições da crise no Senado


Essa semana o leitor da Tribuna Feirense nos permitirá uma pausa para abordar um tema que não se relaciona diretamente à vida do município. E, embora corramos o risco de aporrinhar o leitor com um tema tão batido, ainda assim vamos nos arriscar. Muito já se falou e se esbravejou, muita tinta já foi gasta com versões e interpretações disparatadas sobre os escândalos recentes no Senado, mas tentaremos fazer uma leitura da questão sob uma outra ótica, certamente pouco original, mas que não costuma ser enfatizada. Antes de tudo, porém, é preciso constatar um fato.
O fato é a existência política de José Sarney. Último remanescente dos coronelões do Nordeste, ex-presidente da República, mandatário político em dois dos estados mais pobres do Brasil, político influente há pelo menos três décadas, artífice de muitas das inconfessáveis concertações no Senado, o literato maranhense foi reconduzido à presidência do Congresso Nacional há apenas alguns meses, o que foi saudado como uma demonstração de força do PMDB.
Passados alguns meses, “descobriu-se” o que Sarney vinha urdindo no breu das tocas. E aí se mobilizaram duas tropas de choque: uma pró e outra contra Sarney. Desde então, começaram os deploráveis espetáculos no plenário da Casa, dignos de figurar entre os tantos piores momentos do Senado.
A favor de Sarney, Renan Calheiros (PMDB-AL), Fernando Collor (PTB-AL), Wellington Salgado (PMDB-MG), Almeida Lima (PMDB-SE) e Gilvam Borges (PMDB-AP). Contra Sarney, os intrépidos Artur Virgílio (PSDB-AM), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Sérgio Guerra (PSDB-PE), Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristóvam Buarque (PDT-DF). Os dois últimos, a propósito, já viveram momentos políticos mais dignificantes.

Reflexão

No centro da discórdia, a saída ou não de Sarney da presidência da Casa. Seja através de uma licença, seja através de um afastamento definitivo. Estupefatos, os brasileiros acompanham uma guerra de representações de um lado e vigorosas trocas de insultos de outro. Jereissati e Calheiros, por exemplo, trocaram amabilidades, chamando-se de “coronel de m...” e de “cangaceiro de terceira categoria”. Isso no plenário do Senado, ao vivo, para todo o País.
Por trás desse circo, montado sob o discurso da defesa intransigente da ética, existem interesses que passam pelas eleições presidenciais de 2010. Existe também um outro fato lamentável, esse para os nordestinos: praticamente todos os envolvidos representam estados da região. Sinal de que em armações e picaretagens, os políticos do Brasil Setentrional permanecem imbatíveis.
A crise do Senado não é produzida por um grupo restrito: reflete muito do que se passa pelo País. Afinal, boa parte desses senhores foi votada pelos brasileiros (à exceção dos suplentes que assumem mandato). Dói reconhecer, mas temos que admitir que os parlamentos, com todos os seus vícios, foram eleitos pelo povo.

Financiamento

Não é só o povo, porém, que deve reconhecer que lhe cabe uma fatia no imbróglio. Empresas e empresários que financiam as campanhas desses senhores, pelos caixas um ou dois, são ainda mais responsáveis. Sabem quem estão ajudando a eleger, sabem dos meios escusos utilizados e sabem os resultados que pretendem alcançar.
Financiadores ou cúmplices, os grandes meios de comunicação sempre ignoram esse detalhe e, em suas campanhas educativas, recomendam apenas ao povo para eleger bem. Esquecem de dizer aos empresários que também devem financiar bem. Depois, esses vão se lastimar na tevê, reclamando da carga tributária, da burocracia ou da incompetência daqueles que eles ajudaram a eleger.
Espantosamente, os senadores pela Bahia vêm passando despercebidos pelo fuzuê: não tiveram seus nomes citados, não integram tropas de choque e sequer são captados pelas câmeras da TV Senado no plenário durante as sessões. Sinal de que, às vezes, silêncio é poesia e omissão dignifica.

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