Curta e talvez incompreensível para alguns, a expressão “mão de farinha” explica muito da realidade social e política do Brasil, de hoje e de ontem. No folclore político, a “mão de farinha” é a concessão ou sinecura ofertada à figura politicamente pouco expressiva, mas que contribuiu para o êxito eleitoral de um determinado candidato. Esse, em sinal de retribuição e de reconhecimento pelo esforço do correligionário, concede-lhe a função menor remunerada no mosaico de siglas que compõem a estrutura funcional do Estado. Em outras palavras, é uma esmola institucionalizada.
É provável que a “mão de farinha” tenha chegado ao Brasil com Tomé de Souza nas caravelas em 1549. Afinal, os portugueses pobres recusavam-se a desempenhar atividades manuais na Colônia, o que os igualaria aos índios e negros escravos e aos mulatos que iam nascendo com a miscigenação racial. Para permanecer na Colônia, portanto, exigiam função remunerada na estrutura administrativa que a Coroa montava para consolidar a posse sobre as novas terras.
A “mão de farinha” atravessou os séculos. Afinal, para tocar a economia colonial bastava o trabalho dos escravos e dos mulatos infelizes que não desfrutavam do ócio remunerado. Quem não podia aproveitar a vida nos salões da aristocracia, arranjava-se com a “mão de farinha”, que o mantinha a salvo do trabalho pesado na lavoura canavieira e na lida com o gado no sertão.
Quando a capital da Colônia foi transferida para o Rio de Janeiro ocorreu um sopro institucional estupendo sobre o conteúdo que a mão em concha guardava: minguaram as oportunidades e muitos foram se virar fazendo bicos pelas ruas de Salvador ou criando gado de coronel pelo interior e plantando feijão, mandioca e milho. Os mais aquinhoados partiram, com sua “mão de farinha”, para a nova capital.
República
O século XIX consolidou a existência dessas sinecuras. Com a Independência e, décadas mais tarde, com a República, a máquina administrativa ganhou musculatura e as “mãos de farinha” foram se multiplicando, alcançando o sertão inóspito, onde vilas e povoados prosperavam, tornando-se cidades.
Somente lá pelos anos 1950 tentou-se dar uma feição mais séria ao Estado. Instituíram-se concursos públicos e a crescente complexidade da administração pública exigia gente mais preparada. Ainda assim, a farinha pesava na balança do poder e seus portadores esgueiravam-se pelas repartições, fumando, bebendo cafezinho e aguardando o final do mês.
O caráter discricionário da ditadura em parte tornou dispensável a “mão de farinha”. Afinal, em alguma medida a quantidade se multiplicou, com alguns necessitando de sacos e bocapios para acomodar seu quinhão. Mas, com redemocratização, a prática ressurgiu e sobrevive até hoje.
Concurso
Em tese, só torna-se funcionário público quem presta concurso. Todavia, a acomodação dos interesses políticos levou à criação de milhares de cargos de confiança Brasil afora. Muitos deles, úteis e necessários. Outros servem apenas para acomodar, generosamente, correligionários políticos, parentes e amantes de políticos e também a miuçalha que aceita, feliz, a “mão de farinha” ofertada pelo “sinhô”.
A fauna que abocanha a “mão de farinha” é variada: cabos eleitorais, parentes distantes de gente graúda, candidatos a vereador derrotados e até jornalistas e radialistas de qualidade duvidosa que, nos espaços de que dispõem, exaltam os feitos e silenciam sobre os malfeitos dos seus padrinhos. Enfim, são os ociosos que renegam o trabalho no eito.
Quando um partido vence uma eleição, leva os seus partidários ao poder. Quem perde se retira, remoendo o rancor de uma suposta competência não reconhecida. Nos bastidores desse palco glamouroso, se movem, ágeis, lábios, braços e pernas ansiosos para assegurar sua “mão de farinha”...
Pomponet.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo "A Mão de Farinha". Escreve assim quem tem conhecimento adquirido ao longo de anos de estudo e muita leitura.
Gostei mesmo.
Um abraço