Enquanto o feirense paga R$ 2,00 para sacolejar em velhos ônibus empoeirados, o prefeito e o Conselho Municipal de Transportes (CMT) esgrimam para se eximir da responsabilidade pelo reajuste, conforme atesta o noticiário dos últimos dias. Afinal, o CMT alega que apenas “recomenda” e o prefeito se justificou afirmando que se limitou a “acatar” a recomendação dos membros do conselho. Enfim, parece que a responsabilidade pelo reajuste se dilui nos tortuosos caminhos da burocracia. Talvez o aumento se deva a uma “tradição” de dez ou doze anos, como o próprio prefeito aludiu.
Tradição ou não, o fato é que o Conselho Municipal de Transportes sempre constituiu um colegiado opaco que aparece na imprensa somente quando se trata de discutir sobre aumento na passagem de ônibus e que se empenha apenas em perpetuar a “tradição” de recomendar reajustes anuais.
A “tradição”, contudo, não se repete em outras cidades brasileiras. Em Fortaleza, por exemplo, desde 2006 não ocorrem reajustes. Em Salvador, que não aplica uma política tão condizente com os interesses da população, os aumentos, nos últimos anos, não tem sido anuais. O último, por exemplo, aconteceu em janeiro de 2007.
Há, portanto, um aparente mistério: por que em Feira de Santana há a necessidade de se adotar uma política tão severa de reajustes, principalmente se a qualidade do serviço não é compatível com os preços? A explicação, singela, reside no próprio Conselho Municipal de Transportes.
Composição
Se os critérios empregados para a elaboração da planilha são um mistério, a composição do CMT também não é algo que se consiga descobrir com facilidade. No site da prefeitura, por exemplo, não há nenhuma informação a respeito. Sabe-se, apenas, que representantes do Executivo municipal e do sindicato patronal constituem a maioria. Se estudantes e trabalhadores estão representados – e possivelmente estão -, suas vozes não se fazem ouvir.
Ora, se os supostos representantes dos que pagam a tarifa se calam e o staff governamental se limita a dizer “amém”, quem, efetivamente, controla o CMT é o sindicato patronal que dita as regras de reajuste através de uma planilha de custos esotérica à qual a sociedade não tem acesso.
O noticiário dos últimos dias, a propósito, registra queixas até de vereadores que compõem a bancada governista. Um sinal eloqüente de que o reajuste foi inoportuno e conduzido de forma desastrada enquanto a população pulava atrás do trio elétrico. Afinal, tudo foi decidido durante o reinado do Momo.
Discussão
Decretar reajuste de tarifa pública é uma medida impopular, todos sabem e já foi dito neste espaço semana passada. Mas, quando a coisa acontece à revelia da sociedade, sem nenhuma transparência, a situação exige reflexão não só sobre o conteúdo – o aumento em si – mas também em relação à forma como o processo é conduzido e o papel dos atores nele engajados.
Claro que não cabe à prefeitura promover uma assembleia no Jóia da Princesa para decidir sobre o aumento ou não. Cabe, todavia, assegurar que o processo de discussão do sistema de transporte coletivo – não apenas as decisões sobre reajustes, mas o sistema como um todo, incluindo aí renovação da frota – seja transparente, representativo e que os interesses maiores da comunidade sejam contemplados, assim como também se assegure uma tarifa justa que garanta a sustentabilidade das empresas.
O que não pode ocorrer é a sucessão de trapalhadas, deliberadas ou não, que culminou com o aumento em vigor desde a sexta-feira da semana passada. O CMT “sugeriu”, o prefeito “acatou”, ninguém assumiu a responsabilidade, mas a consequência já está pesando umas moedas a mais, todos os dias, no bolso do feirense assustado com a crise econômica mundial.
É fato que em Feira de Santana existe uma "caixa preta" que envolve o sistema de reajuste da passagem dos ônibus urbanos. As planilhas de reajuste são um mistério para a sociedade. Muito oportuno esse texto. Agora acho que cabe as associações de classe (representantes dos trabalhadores) questionar ao CMT sobre a apresentação da planilha de custos ao público, e uma devida explicação sobre a tomada de decisão do aumento durante a micareta.
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