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O Feirense e o debate sobre as questões urbanas

Durante décadas Feira de Santana viveu um acelerado crescimento populacional que se deveu não apenas às elevadas taxas de natalidade vigentes no País, como também à migração. Os fluxos migratórios afluíram dos pequenos municípios e da zona rural da própria Bahia, mas também de estados vizinhos, como Pernambuco, Sergipe, Ceará e Paraíba. Reunidas, essas pessoas foram construindo a cultura heterogênea, mas essencialmente sertaneja, que é um dos traços característicos da chamada Princesa do Sertão.
Nas duas últimas décadas caiu o número de filhos por mulher, devido à elevação da escolaridade feminina e às iniciativas de planejamento familiar e reduziu-se o movimento de migrantes, em função da consolidação da transição urbana e à diminuição dos atrativos econômicos das grandes cidades.
Esse longo processo – acelerado em alguns momentos, mais lento em outros –legou um conjunto de problemas de infraestrutura que exigem, até os dias atuais, a contínua intervenção dos governos. Mais do que isso, em alguns segmentos existe muito por fazer, já que quase nada foi feito.
Um exemplo óbvio é o saneamento básico. O asfalto e o calçamento escondem um problema crônico que aflige o feirense e que é responsável pelas doenças que matam ainda muitas pessoas, principalmente crianças. Escolas devidamente aparelhadas, postos de saúde que funcionem, iluminação pública adequada, transporte público de qualidade satisfatória e a existência de espaços para lazer e recreação são apenas algumas das necessidades dos feirenses.
Engajamento
O enfrentamento desses problemas, curiosamente, não conta com o engajamento do principal interessado: a população. Raramente se fala na atuação de associações de moradores no município. As que existem e são atuantes constituem as honrosas exceções de praxe. No mais, o que se vê é uma apatia generalizada, em que se vota e se espera as soluções que devem ser propostas pelos governantes.
Desenvolvimento e qualidade de vida não se medem apenas com aumento da renda e da riqueza. Viver em locais salubres, dispor de segurança pública, de serviços de saúde e educação prestados com dignidade, se locomover com conforto e comodidade também entra nessa contabilidade abstrata, mas que produz resultados concretos na vida das pessoas.
No entanto, esses benefícios exigem esforços. Não adianta votar e esperar quatro anos para desalojar o governante que não atendeu às expectativas. É necessário aproximar a Sociedade do Estado. E a Sociedade só se aproxima do Estado se organizando através de entidades representativas.
Governança
São essas entidades representativas – entre elas as associações de moradores – que, debatendo, propondo e cobrando, construirão um novo modelo de governança, compatível com a administração pública das sociedades mais avançadas, onde direitos são direitos e, sob hipótese alguma, se confundem com concessões de governantes de “bom coração”.
O feirense precisa dar um passo além para construir uma cidade melhor. E, na construção de uma cidade melhor, nenhuma entidade está mais credenciada para debater as questões urbanas que as associações de moradores. Uma dessas questões é o Plano Diretor que, depois de muito mistério, foi disponibilizado no site da Prefeitura Municipal.
No documento, chama a atenção o espaço pífio reservado aos moradores da zona urbana no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Territorial: apenas uma vaga. É o mesmo espaço dado a cada um dos distritos e a povoados como São Cristóvão e Pé de Serra, com população e problemas urbanos muito menores.
A propósito, o conselho praticamente só reúne representantes da prefeitura ou técnicos da área e a participação da sociedade é mínima. Talvez a discussão do plano seja uma excelente oportunidade para o feirense se ocupar um pouco mais das questões que envolvem o seu dia a dia...

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