Pular para o conteúdo principal

A decadência dos clubes sociais

O anúncio da venda do Clube de Campo Cajueiro (CCC), em Feira de Santana, me fez recordar um artigo publicado há dois anos, na Tribuna Feirense, tratando da questão. Conforme pode se ver abaixo, apontávamos que a decadência dos clubes era irreversível, por mais esforçados que tenham se tornado seus dirigentes. O CCC é um exemplo disso. Aproveitamos a oportunidades para reapresentar o texto:
No passado, em época de Micareta, os clubes sociais de Feira de Santana atingiam o ápice anual do glamour. A elite local exibia seu luxo em festas que reuniam os ricos do município para inveja da multidão de pobres que não podia desfrutar do mesmo luxo. Hoje a situação é totalmente diferente e os clubes sociais não promovem bailes concorridos pelos mais elegantes e nem dispõem de blocos próprios, onde se acotovelava a “juventude dourada”, ávida por demonstrar que constituía parte da “nata” da sociedade local.
O desprestígio e a decadência dos clubes sociais, porém, não é um fenômeno restrito a Feira de Santana. Atinge também quase todos os clubes sociais de Salvador (o Clube Português, por exemplo, teve a sede apropriada pela prefeitura para quitar débitos) e espalha-se Brasil afora.
O fato não é um indício de que os ricos estejam menos ricos ou que deixaram de se divertir: é apenas um sinal de que as recentes transformações da sociedade não contemplam o modelo dos clubes sociais. Mudou a forma de se ofertar entretenimento, mudaram os aspectos urbanos das cidades e mudaram as pessoas que, coletivamente, modelam os hábitos sociais.
Na Bahia, um dos primeiros indícios de que os clubes sociais estavam em decadência foi a cada vez mais escassa realização de grandes festas reunindo as maiores estrelas da música local. Aos poucos, os clubes perderam espaço para as casas de espetáculos, capitaneadas por empresários especializados na indústria do entretenimento. Essa se agigantou e passou a mobilizar recursos crescentes (inclusive em cachês), o que ficou inviável para clubes dedicados a um conjunto de atividades e que começaram a conviver com elevada inadimplência do quadro de sócios, reduzindo o elevado capital exigido para concorrer com as empresas especializadas.

CONDOMÍNIOS

Contudo, bailes e grandes festas eram apenas uma das faces dos clubes sociais. Essas entidades disponibilizavam outras alternativas de entretenimento, como quadras de esportes e piscinas. Ocorre que esses equipamentos começaram a estar disponíveis também nos condomínios de classes média e alta, certamente provocando menor procura pelos clubes. A opção por se praticar esportes próximo de casa favorece também a redução de custos (financeiros e de tempo) e reduz a exposição aos riscos da violência urbana.
Esse aspecto está presente também nas transformações mais amplas por que passou a sociedade. É que as pessoas têm mudado, fazendo de forma crescente opções individualistas. Socializadores por natureza, os clubes sociais perdem adeptos no mundo individualizado da internet, dos telefones celulares e dos ipods.
O individualismo, porém, é amplificado pelas mudanças ocorridas no ambiente familiar. Hoje as famílias são muito menores, freqüentemente os filhos convivem com pais separados, a autoridade desses pais é crescentemente menor, o que desestimula o hábito dos “programas” coletivos.

SOCIEDADE

Um outro aspecto é que os clubes sociais constituem um modelo de integração e de entretenimento em vias de superação. Aliado ao individualismo apontado acima, há o fato de que cresceram e se diversificaram as formas de diversão, fruto do próprio desenvolvimento econômico e da conseqüente evolução da sociedade. Para satisfazer demandas crescentes e diversificadas disseminou-se a especialização.
Grosso modo, os clubes sociais são dotados de bares, restaurantes, salões de jogos, piscinas, promovem eventos festivos e, combinando as atividades citadas anteriormente, congregam o conjunto de pessoas residente em uma determinada comunidade ou classe social. Todas essas opções estão disponíveis em estabelecimentos especializados (como bares, restaurantes ou apresentações artísticas) ou foram incorporadas ao cotidiano dos indivíduos (como quadras de esportes e piscinas em condomínios), fragmentando a integração (que hoje ocorre até de forma virtual pela internet), como é próprio das relações interpessoais hoje.
Assim, não devemos nos surpreender com a constatação de que os clubes sociais não fazem “festas como antigamente” ou até mesmo nem fazem festas. Essas mudanças são fruto do implacável movimento da roda da história.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express