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Com prolongamento da crise, feirense da periferia intensifica biscate

Aquilo que muita gente intuía circulando pelas praças, ruas e avenidas brasileiras foi confirmado pelas instituições que mensuram a produção de riqueza no País: em 2018, provavelmente, o Produto Interno Bruto – PIB não vai além de 1,6% de expansão. Bem longe, portanto, dos cerca de 3% que Michel Temer (MDB-SP) – o mandatário de Tietê – anunciava, entusiasmado, a cada aparição pública tempos atrás. E bem aquém das necessidades de crescimento econômico do País, após a crise atroz.
Era essa vertiginosa retomada – simples jogo de retórica ou, mais popularmente, empulhação – que alavancaria recandidatura presidencial do controverso governante, apesar das densas sombras éticas que pairam sobre seu governo. Como se vê, não deu. Afinal, o País segue sob a urgência da geração de postos de trabalho para milhões de desempregados e pra quem padece sob o drama da compressão da renda.
Quem tem a oportunidade de circular pela periferia da Feira de Santana, por exemplo, percebe sem dificuldades o sufoco que o feirense vem enfrentando nessa voraz crise econômica, que se arrasta, interminável. Campo Limpo, Sobradinho, Jardim Cruzeiro, Rua Nova, Feira X, Jardim Acácia, Parque Ipê e Cidade Nova figuram entre os bairros que ilustram a aspereza da vida com dinheiro curto. A amostra é aleatória, porém: muitos outros replicam o mesmo padrão, que parece universal.
“Aluga-se” e “Vende-se” são placas que figuram na fachada de incontáveis imóveis. Mas essa é a dimensão imobiliária da crise, que já nem traz tanta novidade: há outras, perceptíveis também com simples exames das tabuletas e avisos pendurados em portas e portões. São os anúncios de prestação de pequenos serviços ou de venda de modestos produtos em residências particulares, que cresceram exponencialmente.
“Geladinho” e “Geladão”, por exemplo, tornaram-se comuns: às vezes, numa mesma quadra, se veem dois anúncios diferentes. Bolos sortidos, biscoitos, salgados para entrega, além de quentinhas e pratos feitos a R$ 10 ou R$ 11 tornaram-se epidêmicos. E há quem aposte em minúsculas distribuidoras de cerveja, refrigerantes e água mineral. Tudo muito improvisado, forjado pelo imperativo do dinheiro curto.

Tabuletas

Serviços tradicionais também tem amplo apelo nas tabuletas: manicures descrevem suas especialidades; cabeleireiras oferecem um leque de serviços; costureiras se dispõem a reformar roupas; marmanjos anunciam, em cartazes colados nos postes, que armam e desarmam móveis; há, também, encanadores, pedreiros, chaveiros, jardineiros de plantão, que topam as oportunidades disponíveis.
O mais corriqueiro, porém, se tornou a venda de verduras e legumes. A comercialização na periferia se organiza, basicamente, de duas formas: há quem aproveite o espaço ocioso à frente de casa e monte uma quitanda miúda, com tabuleiros expondo batata inglesa, tomate, cebola da branca e da roxa, pepino, jiló, abóbora, maxixe, além das hortaliças: coentro, cebolinha, couve e salsa. Alguns não se dispõem a esperar: perambulam pelas ruas, forçando a voz para anunciar ou recorrendo a engenhosos microfones, conduzindo carrinhos de mão.
A escassez e a falta de perspectivas, porém, vem forçando recursos mais engenhosos. Alguns, à frente de casa, colocam um mostruário, expondo coxinhas, esfihas e quibes; há quem recorra a uma caixa de isopor e, nela, abrigue água, refrigerante ou cerveja para potenciais clientes. Isso para não mencionar as tradicionais bicicletas com mostruários embutidos, que transitam há décadas pela cidade.
Alguns veem, nessas iniciativas, o inato “espírito empreendedor” do brasileiro; aquela exaltada capacidade de driblar dificuldades; ou a festejada “resiliência”, expressão que virou febre, definindo a capacidade de se ajustar às adversidades; há até quem fareje uma latente inclinação empresarial que só precisa de um ambiente de negócios mais favorável para florescer. Enfim, o que não falta são formas de lançar confetes.
Nessas leituras, que exalam otimismo, não cabem conceitos espinhosos: desigualdade, precariedade, exclusão social, informalidade, nada disso se debate. Mas eles existem e se aplicam a essa realidade, que inclusive está aí, bem visível, pulsante na periferia aonde o povo pena mais com a crise econômica. Para esses, os reiterados e festivos anúncios do “Brasil retomando os trilhos do desenvolvimento” não passam de vergonhosa e deslavada bazófia.

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