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Números do extermínio da juventude negra feirense

                               
O sistemático extermínio da população masculina, jovem e negra no Brasil, vem aparecendo com alguma frequência no noticiário. Isso em função da reiterada repetição de episódios de violência envolvendo esse segmento da população. Recentemente, até mesmo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigou o tema no Congresso Nacional, constatando o óbvio: que essa matança é disseminada em todo o País. A Bahia – estado com maior número de negros em sua população – ocupa lugar de destaque nesse triste ranking. A Feira de Santana, logicamente, não fica atrás e contribui para alavancar esses números.
                    Todos sabem que a Feira de Santana é uma cidade violenta: em 2010, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes atingiu 56,59, o que é bastante superior ao nível aceitável definido pela ONU (9,3 por 100 mil). Para os jovens em geral – na faixa dos 15 aos 29 anos – o risco era mais que decuplicado: impressionantes 132,86. Para a população jovem e negra, alcançava inacreditáveis 143,79. São patamares dignos de países em guerra.
                Os números a seguir foram extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde e apresentam enormes divergências em relação aos dados da Secretaria da Segurança Pública da Bahia e da própria imprensa feirense, que realiza acompanhamento contínuo dos números da violência.  Mas, mesmo subdimensionados, oferecem alguns sinais bastante eloquentes sobre o extermínio da juventude negra em andamento no Brasil.
                O levantamento mais recente – de 2012 – indica que 155 jovens negros foram assassinados naquele ano; 110 não jovens foram mortos e apenas 30 jovens não negros foram eliminados. A soma alcança 295 casos – menos que os 411 oficialmente computados pelas autoridades policiais – mas ilustra bem a exposição da juventude negra às mortes violentas.
            
               Mais números
              
             O número de jovens negros assassinados entre 2001 e 2012 é sempre superior ao de qualquer outro grupo analisado. Alcançou o ápice em 2010 – quando foram computados 188 ocorrências, a partir dos dados do Ministério da Saúde – e, desde 2008, nunca foi inferior a uma centena de casos. Já o número de jovens não negros nunca foi superior a 30 ocorrências. É necessário observar, porém, que 80,4% dos jovens feirenses autodeclararam-se negros ou pardos no Censo 2010 do IBGE, o que impacta sobre os números absolutos.
                Mas, embora subdimensionados, os números apontam para uma realidade assustadora: entre 2001 e 2012 foram assassinados 1.039 jovens negros; outros 697 não jovens – grupo que, obviamente, é constituído por muitos negros – foram mortos no mesmo intervalo; os mortos jovens, não negros, somaram 191 até 2012. A soma reforça a convicção que ser jovem – e sobretudo negro – também é muito arriscado na Feira de Santana, a exemplo do que acontece no Brasil.
                Ultimamente, os governos vêm comemorando a redução no número de homicídios de maneira ruidosa. Mas, pelo menos até 2012, as estatísticas indicavam uma preocupante tendência ascendente. Caso haja estabilização ou redução discreta, não há o que comemorar: o patamar segue elevado, escandaloso para qualquer padrão minimamente civilizado.

                Perspectivas
           
           Apesar de tantas mortes, não falta no Brasil quem defenda o extermínio sistemático dos chamados “marginais” que, quase sempre, são homens jovens, negros, residentes na periferia e pouco escolarizados. Invariavelmente, estão desempregados, subempregados, ganham pouco e costumam ser o alvo preferencial das ações policiais. Isso independente de possuírem ficha criminal ou não.
                Para esses, o Estado só chega na forma de munição da polícia: saúde, educação, lazer, qualificação profissional e inclusão produtiva povoam apenas os discursos dos candidatos nos períodos eleitorais. Depois de contabilizado o último voto, todos desaparecem. Sempre foi assim e é assim que segue sendo, desde pelo menos a Lei Áurea, no distante 1888.
                O genocídio da população jovem e negra também é realidade na Feira de Santana. É o que atestam os números pouco precisos do Ministério da Saúde – cuja subnotificação é reconhecida e notória – e, mais ainda, o noticiário que, invariavelmente, exibe corpos negros sem vida na periferia.
               
  
               

                 

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