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A dimensão econômica do tráfico de drogas

                                
Praticamente todos os dias alguém é preso na Feira de Santana sob acusação de tráfico de drogas. Essa rotina faz com que pelo menos centenas de detentos – entre os mais de 1,6 mil internos alojados no Conjunto Penal feirense, segundo dados oficiais – cumpram pena ou aguardem sentença relacionada a esse tipo de delito. As apreensões de drogas são, também, muito frequentes no município. Flagrantes de dezenas ou até centenas de quilos de maconha são comuns, mesmo não sendo tão habituais. Enormes quantidades de cocaína também já foram apreendidas por aqui. Segundo autoridades policiais, Feira de Santana integra as rotas dos barões do tráfico no País.
                Embora oficialmente não se reconheça, comenta-se que os traficantes ditam as leis em algumas comunidades pobres da Feira de Santana, principalmente aquelas com população significativa e mais distantes do centro da cidade. Isso, sequer, configura novidade: em Salvador e, sobretudo, no Rio de Janeiro, há décadas o crime organizado formula suas próprias regras e as impõe à população refém.
                Há um relativo consenso no Brasil que o tráfico de drogas representa um dos principais motores da criminalidade no País: furtos, assaltos, homicídios, latrocínios, queima de ônibus e até ataques a órgãos públicos sempre tem relação com o comércio de entorpecentes. Estruturada a partir de facções criminosas, a atividade apresenta ampla capilaridade e assemelha-se ao comércio legal, sob muitos aspectos.
                O tráfico de drogas precisa ser encarado como uma atividade econômica – ilegal e criminosa, mas atividade econômica – e também discutida sob essa perspectiva. Isso sem desconsiderar, é claro, um conjunto de dimensões relevantes que norteia hoje o debate, como a legal, a moral, a de saúde, a social, a religiosa e outras tantas. Há, inclusive, diversas propostas de descriminalização encalhadas no Congresso Nacional, já que o conservador parlamento brasileiro não quer se habilitar a discutir.

               Atividade econômica
      
          A discussão mais recorrente sobre o tema pretende que, quem for flagrado portando drogas, não deve ser preso, nem penalizado pela Justiça. Mas, quem trafica, segue sendo enquadrado por crime hediondo e vai amargar o inferno das prisões brasileiras. O quadro, sob a perspectiva econômica, apresenta uma contradição insanável: ambas as condições integram o circuito da produção e do consumo de drogas.
                Objetivamente, debate-se que os consumidores não devem ser penalizados, mas os produtores e os comerciantes, sim. Quem vende, é criminoso; quem compra, não. Parece evidente que se almeja assegurar que os consumidores sejam preservados dos rigores da lei – boa parte integra a classe média e não tem antecedentes criminais – e os produtores e comerciantes – pobres e excluídos em sua maioria, principalmente os varejistas – permanecerão arcando com o ônus da moral e da hipocrisia da sociedade brasileira.
                Liberar geral – como se diz no popular – também implica em riscos enormes para a sociedade. O que farão os exércitos de traficantes encarapitados nos morros, caso sejam alijados do seu comércio? Como vão continuar garantindo a subsistência? É muito provável que decidam descer para o asfalto e, nele, buscar nos assaltos o fluxo monetário que se extinguiu com a legalização das drogas. A violência, num cenário como esse, tenderá a aumentar.
                Como está colocada, a discussão flerta com a não-decisão: liberam-se os consumidores e seguem sendo punidos os produtores. Quem tem berço, não vai preso; os demais, engajados no comércio de drogas, seguirão morrendo e mofando nos cárceres. É o típico posicionamento do brasileiro sobre temas espinhosos: finge-se que se toma uma decisão, normalmente apenas para beneficiar meia-dúzia, contorno a essência do problema.

Em nível internacional, o debate sobre as drogas começa a ser retomado. Talvez assim, no Brasil, sejamos arrebatados por um bafejo menos hipócrita...

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