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A “Década Perdida” de Dilma Rousseff



Os anos 1980 ficaram conhecidos no Brasil como a “Década Perdida”: a inflação descontrolada, o desemprego alarmante, a precarização crescente do trabalho, o crescimento econômico pífio e a incapacidade crônica do Estado de debelar esses problemas contribuíram para a alcunha que se consagrou naquele decênio. O bafejo da esperança, porém, embalava as mobilizações dos brasileiros: depois de muita luta, o regime militar finalmente ruiu e, em 1988, o País ganhava uma Carta Magna que, pelo menos no papel, aproximou o Brasil da modernidade.
Plagiando aquele período, tudo caminha para que a segunda década do século XXI também seja reconhecida como mais uma “Década Perdida”. O diagnóstico coincide com os dois mandatos presidenciais de Dilma Rousseff (PT), que há apenas pouco mais de nove meses começou uma conturbada segunda gestão, depois de uma acirrada disputa eleitoral em 2014.
Em termos de crescimento econômico, a conclusão já parece óbvia: o Produto Interno Bruto (PIB) será negativo neste amargo 2015 (-2,85%) e, também, em 2016 (-1%). É o que indicam os prognósticos de instituições financeiras e, até mesmo, de organismos governamentais. Somando-se ao modesto PIB médio do primeiro mandato – 2,1% anuais – tudo indica que, em 2018, o brasileiro vai estar no mesmo patamar em que estava em 2010.
Noutras palavras, os vaivéns de oito anos arrastarão o brasileiro, na média, para a mesma condição em que ele vivia em 2010. Só que esse movimento será aos esbarrões, com queda na renda, desemprego, corrosão inflacionária e redução dos investimentos em serviços públicos essenciais. Em suma, uma tragédia, que vai prejudicar sobretudo os mais pobres.

Desemprego
         
         Neste 2015 de presente aziago e futuras lembranças amargas, quase cinco mil empregos formais já deixaram de existir na Feira de Santana. Entre janeiro e agosto foram 4,8 mil oportunidades a menos. Somando-se ao desempenho negativo registrado a partir de meados de 2014 – a crítica situação econômica só foi admitida pelo governo depois do segundo turno das eleições presidenciais – já nos aproximamos dos quase seis mil empregos a menos.
                O que isso significa? Significa que, sob a ótica da geração de postos formais de trabalho, a Feira de Santana já perdeu quase seis mil dos 115 mil empregos que registrava em janeiro deste ano, conforme dados disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Dito de outra forma, é voltar ao passado. E a um passado menos favorável que o presente.
Caso a tendência atual seja mantida até o fim do ano, terminaremos 2015 muito perto do patamar de 2011, quando o estoque de empregos formais alcançava 107,1 mil postos. Dessa forma, quando a crise começar a ser superada – as expectativas mais otimistas projetam a retomada para 2017 em diante – Feira de Santana estará em situação similar àquela de meados dos anos 2000.

Retomada

Voltar a crescer significa, primeiro, retornar aos patamares vigentes até o início da crise atual. Se tudo der certo, é possível que em dois anos – em meados de 2018, no cenário mais otimista – estejamos alcançando o mesmo volume de riquezas de 2013, quando a desaceleração começou a se intensificar. Ajustar o mercado de trabalho e atenuar as desigualdades produzidas pela crise leva mais tempo, no entanto.
Todo esse exercício de futurologia, porém, depende que a crise política – amplificadora do engasgo econômico, embora não seja sua causa principal – abrande a partir daqui. Aí é mais complicado: imprevisível, temperamental e intolerante, Dilma Rousseff é uma incógnita porque ninguém sabe se, efetivamente, ela conseguirá interromper a série de derrapadas que marcaram seu segundo mandato até aqui.
Nesse meio tempo, o brasileiro menos abastado sofre com o desemprego, com a inflação, com os cortes nos serviços públicos essenciais e, de quebra, ainda se deprime com o noticiário farto em más novas. Sem dúvida, os anos 2010 também vão para os escaninhos da História como mais uma “Década Perdida”.

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