Pular para o conteúdo principal

Uma eleição sem ideias




No próximo domingo os brasileiros irão às urnas para escolher seus governantes pelos próximos quatro anos. A essas alturas, pode-se afirmar que a campanha eleitoral em 2014 foi pra lá de enfadonha. O que prometia ser um pleito eletrizante – em função das jornadas de junho de 2013, que levaram milhões de jovens brasileiros às ruas, numa rara demonstração de insatisfação com os rumos políticos do País – mostrou-se um processo monótono, no qual predominaram os discursos já amplamente conhecidos pela população.
                As novidades ficaram no âmbito dos rótulos dos marqueteiros: a reiterada repetição sobre o “novo” e a “mudança” também enfadaram. Sobretudo porque, objetivamente, ninguém apresentou nada de novo: além da continuidade do que já está em andamento, requentaram promessas velhas e – o que talvez destoe das surradas macaqueações – prometeram-se bizarrices sem tamanho, dignas de até divertir o eleitor.
                Algumas discussões, todavia, por trazerem temas velhíssimos, no mínimo causaram desconforto entre os eleitores mais conscientes. É o caso, por exemplo, do flerte entre a Religião e o Estado. Não faltou candidato transplantando seus dogmas religiosos para a agenda eleitoral. Mais que disparate e delírio, um perigo para a democracia e suas instituições.
Em países mais civilizados, cujas tradições democráticas são mais sólidas, sequer se cogitam discussões do gênero. Aqui, não: pelo visto, alguns querem retornar ao Brasil Império, quando Estado e Igreja Católica se confundiam. Ou, quem sabe, ao patriarcado bíblico do Velho Testamento, com toda sua intolerância beligerante.

Perseguição

Se essa confusão se limitasse ao plano teórico, à mera retórica inócua, tudo bem: esses candidatos seriam considerados excêntricos ou, apenas, ultrapassados. Mas, não: o dogmatismo produz efeitos e fere, sobretudo, Direitos Humanos já consagrados. É o caso dos direitos dos homossexuais e dos adeptos das religiões de matriz africana, furiosamente torpedeados pelos mais fundamentalistas, para ficar apenas em dois exemplos.
 Outras discussões que também não avançaram nessa eleição – como também não em pleitos anteriores – envolvem a descriminalização do uso de drogas e do aborto. O preconceito, a mistificação e a má-fé, em alguns casos, e a ignorância, o despreparo e a ausência de espírito público, em outros, travaram as discussões. Quem se aventurou nessa empreitada no horário eleitoral colheu apenas um silêncio bastante eloquente.
 Pode-se concluir, portanto, que o conservadorismo marcou as eleições de 2014. E um conservadorismo intolerante, iracundo, brutal: sequer a discussão foi admitida. Como supremo argumento contrário, acenou-se com o resultado das urnas: real ou imaginário, foi apontado o risco de ampla derrota para quem pretendesse enveredar por essas questões.

Violência

Sem ideias e aferrada ao dogmatismo conservador, as eleições só poderiam desembestar para uma vigorosa troca de insultos, acusações e denúncias entre os candidatos engalfinhados no ringue eleitoral. Nisso aí o processo foi farto: faltaram os tradicionais dossiês, mas bastava uma palavra imprópria ou uma ideia mais arrojada para despertar reações virulentas dos adversários, sob orientação dos marqueteiros.
O frenesi de denúncias, pérfidas personagens, recursos desviados e referências às encrencas judiciais só refluía nos momentos em que as fragilidades dos governos de plantão – ou dos antecessores por ora na oposição – ganhavam as telas em tons apelativos. Ou quando as soluções para esses problemas eram apresentadas, na forma de genéricas platitudes.
Nas campanhas eleitorais do Brasil atual há muito marketing e pouca política. Parece paradoxal, mas não é: vistos pelos papas da comunicação como meros produtos, os políticos vão às prateleiras eleitorais como soluções pontuais para um problema específico da dona-de-casa. Exatamente como o desinfetante usado para cessar a fedentina no vaso sanitário, por exemplo... 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

O futuro das feiras-livres

Os rumos das atividades comerciais são ditados pelos hábitos dos consumidores. A constatação, que é óbvia, se aplica até mesmo aos gêneros de primeira necessidade, como os alimentos. As mudanças no comportamento dos indivíduos favorecem o surgimento de novas atividades comerciais, assim como põem em xeque antigas estratégias de comercialização. A maioria dessas mudanças, porém, ocorre de forma lenta, diluindo a percepção sobre a profundidade e a extensão. Atualmente, por exemplo, vivemos a prolongada transição que tirou as feiras-livres do centro das atividades comerciais. A origem das feiras-livres como estratégia de comercialização surgiu na Idade Média, quando as cidades começavam a florescer. Algumas das maiores cidades européias modernas são frutos das feiras que se organizavam com o propósito de permitir que produtores de distintas localidades comercializassem seus produtos. As distâncias, as dificuldades de locomoção e a intermitência das safras exigiam uma solução que as feiras...