Pular para o conteúdo principal

A farra midiática dos candidatos nanicos


               
Em 1989, quando os brasileiros votaram pela primeira vez para presidente após 28 anos, havia cerca de 20 candidatos à Presidência da República. Além de Lula e Fernando Collor, que disputaram o segundo turno, havia algumas figuras emblemáticas da política brasileira, a exemplo de Ulisses Guimarães (PMDB) e Leonel Brizola (PDT). Mas, garoto ainda, o que mais me chamou a atenção foram algumas candidaturas cômicas, quase amadoras, como a do já falecido médico Enéas, que berrava seu nome no vídeo. O empresário Sílvio Santos também figurou no rol daquelas excentricidades eleitorais.
                Um quarto de século depois, em 2014, a quantidade diminuiu, mas as eleições presidenciais no Brasil seguem exibindo candidatos ridículos, eleitoralmente inexpressivos e que, apenas com suas presenças, contribuem para embaçar o jogo eleitoral e desviar as atenções das candidaturas viáveis. Essas é que deveriam ter mais tempo para apresentar suas propostas e discuti-las em detalhes.
                Os candidatos nanicos aferram-se a alguns chavões e, munidos deles, comparecem aos debates, dão longas e pouco esclarecedoras entrevistas e, claro, aparecerem no horário eleitoral. Nos debates, quando questionados sobre algum tema que não dominam – quase todos – repisam suas teses e, em alguns casos, assumem posturas agressivas.
               Os nanicos dividem-se basicamente em duas categorias: à esquerda e à direita. Coincidentemente, ambos pegam em lanças por ideias antiquíssimas, à sua maneira. Coincidem também no ar salvacionista, quase messiânico, que assumem em público, diante do eleitorado.
                Família, propriedade e dízimo
             
              “Família” e “moral” são expressões corriqueiras no discurso fácil dos nanicos da velha direita. Nos debates, quase estapeiam-se na disputa para apresentar as propostas mais reacionárias: querem privatizar tudo, cortar impostos drasticamente, modelar a família e os costumes, reduzir a maioridade penal e, não raramente, desembestam a confundir Estado e Religião. Um perigo, como se vê.
               São, também, implacáveis com relação à questão das drogas: defendem, freneticamente, vigilância severa nas fronteiras, combate furioso aos traficantes e penalizações iracundas para os usuários. Nesse meio tempo, não perdem oportunidade de defender a “família”, repudiando veementemente os homossexuais e suas pretensões de união civil.
            Às vezes, surgem notícias de comunidades alternativas habitadas por cristãos fundamentalistas. Nelas, alegados preceitos bíblicos mergulham infelizes fanatizados numa vida insípida que, não raramente, resultam até em casos de suicídio. Para o bem do Brasil, passadas as eleições, seria interessante que esse magote de candidatos fosse internado num desses lugares.
                Terra, pão e doutrinação
               
            A velha esquerda repudia o sistema burguês, as eleições burguesas e os candidatos burgueses. Mas, ainda assim, mergulha sem pudor na gincana eleitoral. Uma contradição evidente, como também se vê. Alguns dizem que é estratégia política: denunciam o sistema capitalista no seu próprio teatro, exibindo suas iniquidades para milhões de telespectadores. O problema é que a cantilena surte pouco efeito junto ao eleitorado, cujas expectativas e ambições mudaram nesse século e tanto depois do lançamento do Manifesto Comunista.
              Talvez fosse mais produtivo, em termos revolucionários, organizar as massas ainda desorganizadas. E isso sem precisar ir longe: nas grandes cidades mesmo, nas metrópoles, o potencial é imenso. Ir na direção contrária, disputando eleição burguesa, parece coisa de acomodado. Ou de quem se contenta em fazer figuração no sistema capitalista.
             Excentricidades do gênero – à direita e à esquerda – deveriam militar em movimentos sociais, cujas possibilidades políticas são menos engessadas que nas lides eleitorais. É a partir desse tipo de militância que, efetivamente, se pode transformar radicalmente a sociedade e o próprio sistema eleitoral. Ou não, caso não se pretenda tanto.
           Enquanto isso, o horário eleitoral deveria, de fato, ser reservado a quem tem chances reais de vencer a eleição...
               

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express