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Uma eleição, dois Brasis


               
Bastou o resultado final do primeiro turno das eleições presidenciais de 2014 ser divulgado, que o esgoto interior de muita gente regurgitou nas chamadas redes sociais: xingamentos, agressões, piadas preconceituosas e uma infinidade de ofensas reverberaram, atraindo a escandalizada atenção da imprensa. Os homossexuais, os ateus, os sindicalistas, os militantes da esquerda e, sobretudo, os nordestinos pobres foram vítimas de incontáveis injúrias.
Na visão desequilibrada de certas figuras, foram esses segmentos que asseguraram a vitória da candidata petista Dilma Rousseff no primeiro turno. Devem, portanto, ser furiosamente fustigados porque se opuseram à candidatura tucana que, na visão distorcida dessas pessoas, encarna o “Bem”.
                O Brasil vive, hoje, a mais severa onda conservadora desde a redemocratização do País, em 1985. O grande problema que se enfrenta não é o conservadorismo em si – afinal, todos tem direito a opções ideológicas e a uma visão de mundo particular -, mas à forma como esse conservadorismo se expressa: mais que prevalecer na disputa eleitoral pelo poder, almeja-se, até mesmo, a eliminação física dos adversários.
                Não faltou quem recomendasse o lançamento de uma bomba atômica sobre o Nordeste. Ou a castração dos nordestinos. Recomendações do gênero revelam muito a respeito dessa autointitulada  “elite”, pouco habituada ao manejo das ideias e aferrada ao uso da força em situações de conflito político. Mostra, também, que houve pouca evolução em relação aos conceitos vigentes no Brasil Império, época da senzala, do pelourinho e do açoite.
                Ideias do gênero – se é que podemos chama-las assim - atestam como ainda é incipiente a democracia no Brasil. Um ou dois reveses eleitorais são suficientes  para se invocar o arbítrio para o restabelecimento da “ordem” e de um suposto “progresso” que sempre chegou apenas para alguns. A própria “comemoração” dos 50 anos do Golpe Militar mostrou, em março, como claudica nossa cultura democrática.
                Depois da eleição a animosidade costuma arrefecer um pouco. Mas o fato é que – seja qual for o resultado da eleição presidencial – os conservadores permanecerão fazendo barulho, alguns defendendo ideias medievais. Muitos deles, a propósito, asseguraram assento no Congresso Nacional no dia 05 de outubro. Resta esperar que sua atuação não contribua para desgastar, ainda mais, os alicerces da democracia nesse País cuja população pobre, já tão sofrida, passou a ser alvo de injúrias nos períodos eleitorais...

               
               

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