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Os odores do segundo turno das eleições presidenciais



    Nesse segundo turno das eleições presidenciais, a exemplo do que aconteceu na eleição anterior, em 2010, os nordestinos estão sendo alvo de uma implacável campanha difamatória nas redes sociais. Os perfis pessoais de muitos insatisfeitos tornaram-se verdadeiras cloacas digitais. Tanto ódio é porque boa parte da população dos estados do Nordeste votou em Dilma Rousseff (PT), contra o candidato da chamada grande mídia e das “elites”,  o senador mineiro Aécio Neves, do PSDB.
             Além do odor típico das cloacas, essa gente exala um inebriante ranço de mofo. Afinal, as pretensas ideias que destilam com acidez biliar, na verdade, são antiquíssimas, herdadas dos avós aristocratas que povoavam as Casas Grandes do Brasil Império. É claro que a maioria não descende da aristocracia cafeeira mas, macaqueando os antigos patrões, julgam-se próximos destes.
                O alvo primordial do preconceito tem sido os brasileiros pobres, beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF). Julgam-nos preguiçosos, pusilânimes, indolentes, sequiosos pelo pagamento do benefício para comprar cachaça. Exatamente o que diziam os nobres membros da distante aristocracia em relação aos negros escravizados.
              Como boa parte dos votos dados à candidata do PT é oriunda do Nordeste, alguns, espertamente, adotaram um recorte regional para canalizar seu menosprezo. Mas, veladamente, desprezam seus conterrâneos pobres da mesma forma que injuriam o nordestino arquetípico.

                Luta de Classes?

              Pouco traquejados no manejo das ideias, esses preconceituosos costumam enxergar o mundo sob o prisma da velha dicotomia entre “bons” e “maus”. Na verdade, esses adjetivos revestem o antagonismo entre “ricos” e “pobres”. Alguns, mais cautelosos, evitam adotar essa perspectiva com medo do reflexo nas urnas. Daí o ódio direcionado para os nordestinos como cortina de fumaça.
                Estamos na sétima eleição presidencial desde 1989. É muito pouca vivência democrática para um País. Pois é essa falta de traquejo com o contraditório que leva muitos a apostar nas soluções que envolvem a força quando veem suas expectativas frustradas. Como se a política não envolvesse, necessariamente, conflitos que exigem resolução via diálogo.
                O fato é que, eleição após eleição, acirram-se os ânimos de classe no Brasil, com esse malandro recorte de preconceito regional. No que isso pode resultar? Ninguém sabe. Mas não faltou, em março passado, quem fosse às ruas – meia-dúzia de excêntricos – defender um Golpe de Estado, como forma de expulsar os petistas do poder. Muitos outros, nas sombras, comungam dessa aberração.
              
               Onda Conservadora
               
            Conforme já apontamos, o Brasil mergulhou, nos últimos anos, numa inquietante onda conservadora, até reacionária. O problema é que é um conservadorismo revestido de traços ditatoriais, prenhe de um ódio pulsante, típico de gente pouco simpática à democracia e ao contraditório.
                Não se trata, portanto, de uma questão de conteúdo: em sociedades democráticas, todos podem ser o que desejarem, inclusive caqueticamente conservadores. Ou infantilmente esquerdistas. O problema é quando esses posicionamentos vêm à tona movidos por um incontrolável desejo de supressão do outro, que é diferente, que contesta determinadas ideias. Não é, portanto, conteúdo, é forma.
                O segundo turno das eleições acontece em pouco mais de uma semana. Quem vencer deve, responsavelmente, trabalhar para serenar os ânimos, buscando preservar as instituições democráticas, tão duramente consolidadas. Só assim, no Brasil, se poderá cultivar a democracia. Mas é desalentadora a sensação de se andar em círculos, sempre vendo se insinuar, aqui ou ali, a sombra ameaçadora do despotismo...

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