Atipicamente, essa semana escrevo para a Tribuna Feirense da Argentina, onde ocorre até esta quinta-feira um congresso internacional sobre desenvolvimento local. Visitar o país durante o período de Copa do Mundo é uma experiência fascinante, que permite visualizar muitas semelhanças e diferenças do comportamento dos hermanos em relação aos brasileiros. A principal constatação é que o futebol é um grande negócio na Argentina, mas nada se comparado com o Brasil.
Aqui também proliferam as bandeirinhas com suporte tremulando nos carros, o azul celeste e o branco enfeitam ruas, praças e avenidas e muitos ostentam, orgulhosos, agasalhos com as cores de seleção argentina para enfrentar o rigoroso inverno que se anuncia, mesmo com o sol brilhando no céu de azul imaculado.
Contudo, nada se compara com a febre verde e amarela que toma conta do Brasil. O nacionalismo exacerbado, típico do brasileiro em ano de Copa do Mundo, é mais passional e ostensivo do que o argentino. No Brasil respira-se futebol e o país para em dias de jogo de seleção. Em Buenos Aires há mais discrição: grupos se acotovelam em frente aos aparelhos de tevê, mas a vida segue seu curso normal, com muita gente cuidando dos seus afazeres.
Uma descoberta interessante é que los hermanos aparentam ter um temor quase sobrenatural da Seleção Brasileira, mesmo que seja a seleção de Dunga. Na terça-feira, na vitória pífia diante da Coréia do Norte, via-se uma euforia inicial com o empate do primeiro tempo, mas que se desfez com a magra vitória verde-amarela. Surgiram ares de preocupação e o Brasil entrou no rol dos favoritos ao título.
Dificuldades
Na manhã desta quinta-feira fria – a temperatura é inferior a nove graus – houve uma comemoração eufórica, mas discreta – quando se compara com as manifestações de júbilo dos brasileiros – com os dois primeiros gols argentinos. A bola roubada pelo coreano para marcar o primeiro gol no final do primeiro tempo lançou dúvidas sobre a eficiência da defesa argentina.
Parece que em relação à sua seleção os argentinos têm sofrido com a mesma “síndrome do vira-lata” que aflige os brasileiros nas demais esferas da vida. Pior: ouvi de uma professora da Universidad Nacional de La Matanza que, na Argentina, vive-se com a imagem que as coisas têm dado certo no Brasil e que o país vizinho estagnou e não consegue prosperar.
Sem dúvida, sob muitos aspectos a Argentina enfrenta dificuldades. Os catadores de papelão se multiplicam pelas calçadas nas noites frias, mesmo na região mais nobre da capital, às portas dos cafés e restaurantes sofisticados, dos teatros e das casas de espetáculos sob o ritmo contagiante do tango.
Transportes
Quem se habilita a deixar o circuito sofisticado da capital portenha constata que o sistema de transportes é precário, com trens e metrôs superlotados, ônibus cheios e malcuidados, transportando a população em penosas viagens em direção à periferia da capital. Problemas, diga-se de passagem, muito semelhantes aos do Brasil.
A herança neoliberal, no entanto, não dizimou o orgulho que os portenhos sentem por sua capital. Principal metrópole da América do Sul no início do século XX, capital cultural da América Latina – há mais livrarias em Buenos Aires que no Brasil inteiro somado –, a cidade ainda exibe muito do charme de outrora, com sua arquitetura refinada, seus bons vinhos e suas belas mulheres de olhos profundamente azuis.
Quando iniciava este último parágrafo, ouvi sons da comemoração de mais um gol argentino. Imprecações furiosas, gritos, palavrões. Senti falta do foguetório típico do Brasil, da exaltação dos que comemoram um gol da seleção como se fosse a única coisa realmente importante na vida...
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