Pular para o conteúdo principal

O “Bicho do Tomba” faz propaganda na tevê

Nos dias atuais basta o cidadão ligar a televisão para ser bombardeado por uma enxurrada de propagandas prometendo melhores preços, maiores prazos e garantia de cobertura das ofertas dos concorrentes no ramo de eletrodomésticos. Tudo isso no tom enfático e no frenesi de quem precisa convencer o consumidor primeiro para impedir a reflexão do cidadão depois. De tão comuns, essas propagandas incorporaram-se à rotina do telespectador e já nem chamam a atenção.

Na tela da tevê, a velocidade de quem narra os anúncios só não é maior que o turbilhão de pequenas letras, que formam palavras e frases que, provavelmente, reservam armadilhas imprevisíveis até para os consumidores menos cautelosos. Não é raro, também, quem burle o Código de Defesa do Consumidor anunciando o valor das prestações e omitindo o prazo de pagamento.

O que também já se tornou chato é a rotina das promoções. Antes reservadas aos meses posteriores às grandes vendas de junho e dezembro, essas ofertas tornaram-se semanais e até diárias. Mesmo quando as empresas em tese realizam seus lucros – como nas festas juninas e natalinas – não falta quem, despudoradamente, anuncie queima de estoque.

Talvez entre os leitores da Tribuna Feirense haja felizardos que, levando anúncios dos concorrentes, tenham adquirido produtos a preços irrisórios. Nunca vi qualquer publicidade ou matéria jornalística a respeito: promoções do tipo aparentam figurar no mesmo espaço mítico do monstro do Lago Ness ou do Bicho do Tomba.

Visita

Tudo isso, deverá estar pensando o leitor, é sabido por todos. Sem dúvida: de tão corriqueiro, chega a ser enfadonho. Uma visita às grandes lojas, todavia, pode trazer algumas revelações. A primeira delas é que tanta propaganda em torno de preço baixo pode esconder um péssimo atendimento e até certo desdém pelo cliente que, inadvertidamente, julgue que é direito seu dispor do bem adquirido o mais rapidamente possível.

Recentemente vivi a experiência: o transporte de uma singela cama pode durar até 12 dias. Isso de um depósito supostamente localizado na Região Metropolitana de Salvador. “O prazo é de até 12 dias. Nada impede que chegue antes”, me assegurou um vendedor. Embasbacado, constatei que também nada impede que chegue após longos 12 dias. Ou que até chegue depois.

Parece que, para algumas empresas, essa encenação simboliza na cabeça do cliente grande rotatividade de estoque e vendas incontáveis, o que torna os produtos disputadíssimos. No interior do Nordeste, porém, parece mais tapeação de quem não tem o produto na loja e que vai mandar buscar em São Paulo.

O atendimento também costuma ser péssimo: proseando entre si ou atendendo diversos clientes ao mesmo tempo, o vendedor precisa ser convidado, chamado energicamente ou até mesmo bajulado. O resultado costuma ser o mesmo: longas esperas para simples consultas.

Feirense

Curiosamente, acabei entrando numa loja que não veicula anúncios com estardalhaço, que não usa gente zangada fazendo propaganda e que também não utiliza letras miúdas para atirar o consumidor em esparrelas. E – surpresa – a loja parece ser de Feira de Santana mesmo.

Até o atendimento costuma ser tradicional: ao invés do vendedor que orienta o consumidor a se virar sozinho entre pilhas de móveis, procurando-o somente quando se convence que há um genuíno interesse na compra, havia alguém fornecendo detalhes do produto, preços, prazos e formas de pagamento.

Essa experiência me rendeu uma constatação interessante: o know how das grandes redes, com muita propaganda, vendedores inacessíveis e gerentes histéricos não parece ser receita com aplicação homogênea em todos os cantos do mundo. Na Feira de Santana do Bicho do Tomba o preço vale muito, mas os hábitos tradicionais de venda também pesam...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express