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A necessidade de concursos públicos

A Bahia tem uma das estruturas administrativas mais arcaicas entre os principais estados brasileiros, apesar de todas as afirmações em contrário ao longo de tantos anos. Segundo a versão oficial, vendida em propagandas institucionais e de partidos que governaram o estado nas últimas décadas, competentes técnicos governamentais se esmeram na elaboração de políticas e na gestão do Estado, colaborando para reduzir as desigualdades sociais que – não se responde por quê – colocam a Bahia na rabeira, junto com os estados mais pobres do país.

É claro que sempre sobram elogios para os políticos em exercício de mandato: pela tenacidade, competência administrativa, abnegação e visão de futuro. São esses homens que sempre tocaram, como brilhantes maestros, a afinada orquestra social dos técnicos em seus gabinetes com ar refrigerado.

Essa martelar é tão renitente que, aos poucos, as pessoas foram se afogando nesse “mar de ilusões” elaboradas pelos marqueteiros. E aí se diluiu a capacidade crítica: enfiados em paletós ou camisas listradas horizontais, os condottiere da sociedade baiana iam e vinham, incansáveis, pelos sertões inóspitos, num frenesi que em pouco tempo poderia redimir a caatinga, transformando-a nas terras bíblicas onde escorrem leite e mel.

Quem se prestasse a cotejar a propaganda e os recursos mobilizados com os resultados tinha, porém, grande decepção: sexto maior Produto Interno Bruto (PIB), rivalizando com o Paraná, a Bahia ocupa a base da tabela em qualidade de vida, duelando com Maranhão, Piauí ou Amapá.


E os técnicos?


A essas alturas, a fantasia da competência técnica também já se diluiu. Afinal, historicamente o Estado na Bahia sempre constituiu um apetitoso cabide de empregos. Empregam-se parentes e aderentes de coronéis da capital e do interior, empregam-se portadores de cartas de deputados prestigiados, empregam-se entusiasmados cabos eleitorais e empregam-se também membros da antiga elite falida.

São esses os técnicos competentes. Admitidos por concurso somente os servidores que a lei não permite brecha: policiais, professores, profissionais da saúde. Boa parte desses trabalhadores, diga-se, recebe salários indignos, cuja base sequer ultrapassava o mínimo até 2006.

No mais, arrumam-se os amigos, porque as eleições exigem grande mobilização de pessoas. Nem mesmo a Constituição de 1988 mudou muito essa realidade. A Bahia, portanto, ainda precisa passar por uma reforma administrativa profunda, que crie cargos e carreiras efetivos e reduza drasticamente os cargos que fazem a alegria dos mais chegados aos políticos.


Cursos e Concursos

Brasil afora, pululam os cursos que preparam para concursos. Na Bahia também há muitos, mas as oportunidades por aqui ainda se restringem às áreas que a legislação impede cargos comissionados ou contratos extraordinários. Até mesmo os presídios foram “privatizados” e os agentes penitenciários são “terceirizados”, o que em qualquer lugar civilizado é uma irresponsabilidade.

Nas demais funções, onde se pode recrutar e preparar técnicos verdadeiramente “competentes” há poucas carreiras estruturadas e contratações muito aquém do necessário. Claro que existem profissionais qualificados entre os servidores temporários: o problema está na forma de selecioná-los e no fato destes constituírem ainda apenas honrosas exceções.

Quem pretende ingressar no serviço público e a sociedade em geral, que paga impostos para obter serviços de qualidade, deve tornar o tema uma reivindicação nos períodos eleitorais. Afinal, hoje só se dá bem quem é parente ou amigo de político e quem se dá mal é a sociedade, que costuma sustentar parasitas engravatados ou enfiados em camisas listradas e cujo trabalho está longe de atender às necessidades da população.

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