À primeira vista, o nome de Joselias da Conceição Pereira pode até passar despercebido. Quem acompanha o futebol baiano, no entanto, sabe muito bem quem é Edinho Jacaré ou, simplesmente, Edinho, lateral multicampeão baiano com a camisa azul, vermelha e branca do Esporte Clube Bahia. Poucos jogadores podem apresentar um leque tão amplo de títulos pelo tricolor: tetracampeão baiano (1981-1984), depois tricampeão (1986-1988), Edinho ostenta também o título mais importante da História recente do Bahia: o de campeão brasileiro de 1988, quando compôs o elenco que, entre outros craques, reunia Bobô, Charles, Zé Carlos e Paulo Rodrigues. São, portanto, oito títulos ao longo de nove temporadas defendendo o Esquadrão de Aço (1981-1989) e 552 jogos. À frente de Edinho com mais partidas pelo Bahia, só o carismático ídolo Baiaco e o campeão brasileiro de 1959, Henrique.
A entrevista para a equipe do Digaí Feira aconteceu na residência do ex-lateral, no bairro Jardim Cruzeiro. O papo começou, óbvio, com as recordações do segundo título brasileiro do Tricolor de Aço. O vídeo do primeiro jogo da final, contra o Internacional de Porto Alegre, em Salvador, está disponível no YouTube. A partida foi brigada, até mesmo feia. Edinho concorda:
“Era para ser um jogo feio mesmo na final. O gol do Internacional, logo no começo, obrigou a gente a ir pra cima do adversário. Conseguimos nos impor na partida e, no começo do segundo tempo, Bobô fez o gol da virada. Pra mim, aquele foi o gol mais bonito que já vi”, brinca o lateral, que disputou aquela partida substituindo o lateral-esquerdo Paulo Róbson, suspenso. De bico e na raça, o gol de Bobô garantiu o placar de 2x1 e a vantagem do Bahia na partida de volta.
Em Porto Alegre, em 19 de fevereiro de 1989, o Bahia segurou o 0x0 e garantiu o segundo título brasileiro de sua História. Edinho recorda a comemoração e até os passeios programados para a segunda-feira seguinte, que foram cancelados: “A gente foi comunicado que logo na terça-feira haveria a estreia na Libertadores, contra o Internacional, no Beira-Rio. Voltamos a campo e vencemos mais uma vez”, recorda o lateral, que também entrou como titular naquele jogo.
Clima na Fonte
Veterano de títulos e de partidas na antiga Fonte Nova, Edinho define com uma palavra como era percorrer o antigo túnel que dava acesso ao gramado em jogos com as arquibancadas lotadas: “Indescritível”. “Arrepia o corpo todo. A gente ficava ansioso, doido para começar o jogo logo. A gente ia pra cima do adversário empurrado pela torcida”, relembra o ex-lateral tricolor.
Os clássicos contra o Vitória tinham um sabor especial: “Era sempre muito mais tenso. Havia provocações dos dirigentes na imprensa e havia todo aquele clima, a mandinga dos torcedores, como Lourinho e Alemão”, recorda, citando dois emblemáticos torcedores tricolores.
Como as regras disciplinares eram mais frouxas, sempre havia confusão contra o arquirrival. “Briga em campo era comum”, relembra. O fato dos elencos serem mais estáveis e os clássicos aconteceram com muita frequência contribuíam para as rixas. “Paulo Maracajá (ex-presidente do Bahia) pagava ‘bicho’ dobrado até quando o jogo contra o Vitória era amistoso”.
Viagens
Edinho chegou ao Bahia depois de se destacar pelo Leônico, em 1980. Junto com ele foram Sabino, Marcelo, Ricardo Longhi e Léo Oliveira. “Quando chegamos no Bahia, Maracajá disse que a gente estava indo fazer história”, relembra. Logo na primeira temporada, sagrou-se campeão baiano e se firmou na lateral direita. Polivalente, jogava também na lateral esquerda, facilitando com sua versatilidade a vida dos treinadores que passaram pelo Bahia naquela década.
No começo, a rotina impunha a necessidade de se deslocar de Salvador para Feira de Santana para rever a família após os jogos. Depois, o Bahia alugou um apartamento na Pituba para Edinho e a família. A rotina de atleta, no entanto, exigia viagens constantes Brasil afora. “Só não joguei no Tocantins e no Rio Grande do Norte”, informa. Na Libertadores de 1989, chegou a visitar Venezuela e Peru jogando pelo Esquadrão.
Naquela época, eram comuns amistosos com seleções do interior baiano e contra equipes de estados do Norte e do Nordeste. “Há jogador que escolhe partida para jogar. Nunca fui disso. Sempre estava em campo”, explica, apontando uma das razões para ser um dos recordistas de jogos pelo Bahia.
Adversários
Na época em que os pontas se destacavam pela qualidade, Edinho enfrentou alguns adversários que deixaram lembranças. “O melhor ponta-esquerda que enfrentei foi Zé Sérgio”, aponta. Além do ponta-esquerda do Santos, Edinho destaca Edu, também ex-santista, que enfrentou jogando pelo Bahia contra o Nacional de Manaus, na capital amazonense.
Éder – titular naquela marcante Seleção Brasileira de 1982 – foi adversário só uma vez, em 1984, no célebre jogo em que o Bahia venceu o Atlético Mineiro depois de 29 anos. “Foi um jogo tenso, mas o Bahia venceu por 2x0. Acabei expulso numa disputa de bola com Éder”, recorda. Na lateral-esquerda, o adversário mais incômodo foi o ponta-direita Mário Tilico: “Me deu uma canseira danada. Jogava com uma velocidade que não dava para acompanhar”.
Nos anos 1980 era difícil enfrentar o Flamengo, sobretudo no Maracanã, recorda Edinho. “Era um time excelente”. Pressão da torcida, no entanto, era no Pacaembu, em São Paulo: “Palmeiras e Corinthians era difícil de enfrentar lá, a torcida empurrava o time. Era ainda pior quando era o Corinthians”, garante, referindo-se ao histórico estádio da capital paulista.
Campo do Osso
Depois de jogar pelo Bahia e Leônico, Edinho também defendeu a Jacuipense, já no fim da carreira, no começo dos anos 1990. Além, claro, do Fluminense de Feira, onde começou a despontar para o futebol na segunda metade dos anos 1970. Voltou a defender o Touro do Sertão em 1992, compondo o elenco que foi vice-campeã brasileira da Série C. A derrota para a Tuna Luso foi a maior decepção de sua carreira. “Queria muito encerrar a carreira com aquele título”.
A família tem tradição no esporte: além de Edinho, seus irmãos Evaldo, Escurinho e Zelito se destacaram no meio-campo do Fluminense de Feira e de outras equipes baianas. Não era difícil os irmãos se enfrentarem nos estádios baianos ao longo das décadas de 1980 e 1990.
Depois de pendurar as chuteiras, Edinho treinou equipes como o Astro e a Seleção de Feira no Intermunicipal, além de disputar torneios de veteranos, jogando até nos Estados Unidos. Hoje, aos 66 anos, ainda considera a hipótese de voltar a trabalhar com o futebol. “Estou mantendo contato com o Bahia para participar de alguma capacitação”, informa.
Revelado no Campo do Osso – antigo campo de várzea ao lado do Joia da Princesa – Edinho jamais imaginou que se tornaria o primeiro – e único - feirense campeão brasileiro por um clube baiano. Sobre a possibilidade do feito voltar a acontecer com outro atleta local, ele pondera que o Campeonato Brasileiro se tornou uma competição mais difícil, mas, mesmo assim, não descarta a possibilidade: “Não dá para dizer que é impossível, embora seja difícil”, reconhece.
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