Lembro
bem que, em 2018, os combatentes do “comunismo” diziam que o socialismo – muita
gente acreditou na empulhação de que o Brasil marchava para um regime
“socialista” – era a disseminação da pobreza, da miséria. Para freá-lo, era
necessário optar pelos liberais, aqueles que eram porta-vozes de um novo tempo.
Nele, a prosperidade aguardava quem se esforçasse o suficiente e acreditasse na
meritocracia. Muitos incautos aderiram ao discurso com entusiasmo, julgando-se
potenciais milionários logo ali na frente.
Deu
no que deu. Há incontáveis perspectivas para analisar o atoleiro em que a
extrema-direita meteu o Brasil. Escolhi uma, com a qual me deparei num prosaico
almoço em Caxambu, no sul de Minas Gerais. Um curto período de férias e razões
familiares levaram-me à agradável cidade do circuito das águas. E um almoço num
restaurante espaçoso, mas vazio, conduziu-me a algumas constatações.
Num
quadro na parede do restaurante que serve comida mineira, a clientela depara-se
com o preço do quilo: R$ 48,90, no sistema self
service. Estão lá, à disposição, o tutu, a couve, o arroz, o angu e outras
iguarias da culinária mineira. Proteína animal resume-se a duas opções:
linguiça ou frango assado. Os mais afortunados, porém, dispõem de mais
escolhas: truta, salmão, contrafilé, filé mignon e tilápia grelhados. Custam
bem mais: R$ 99,90 o quilo.
Não
faz muito tempo, o brasileiro jactava-se de comer carne – muita carne – em
restaurantes do gênero. As opções de proteína animal ficavam lá,
democraticamente dispostas, à espera dos glutões. Restrição, mesmo, sempre
houve só nos restaurantes populares, que despacham marmitas. Pois, pelo jeito,
tudo mudou.
Naquela
mesa defronte à tabuleta o desconchavo entre as promessas de 2018 e a realidade
de 2021 avexou-me. Não foi difícil constatar que carne está virando especiaria,
produto raro até na mesa da classe média. Quem quiser banquetear-se, vai passar
por perdulário. Ou por rico. Exatamente o oposto do que a extrema-direita
alardeava em 2018: ela própria vai, célere, alargando a miséria, que acossa até
mesmo a classe média. Enfim: essa conversa de prosperidade, no fundo, não
passou de ardil de campanha, que enganou muita gente.
Imagino
que o expediente empregado pelo restaurante em Caxambu talvez esteja se
disseminando pelo Brasil inteiro. A classe média vai, enfim, experimentar as
agruras do populacho. Carne, agora, é coisa de endinheirado, de abonado. Assim
como o gás de cozinha e a energia elétrica são luxo para o pobre. É bom não se
assustar caso também se torne para a própria classe média, que vai
desidratando, fenecendo.
Mesmo
assim, é necessário sustentar o otimismo, mostrar-se patriota. Nada de criticar
o governo. Criticar o governo é coisa de “comunista”, pelo visto. Mesmo com a
barriga tinindo, o estômago pregado no espinhaço, o brasileiro tem que se
mostrar estoico, sorrir, encarar o futuro com otimismo.
Felizmente,
muita gente discorda disso. As manifestações de sábado, Brasil afora, mostraram
que a anestesia ideológica não contaminou todo mundo...
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