Pular para o conteúdo principal

Sensação de que o trabalho infantil cresce em Feira

Nos intervalos das conversas, entre goles cerveja e a mastigação do tira-gosto, os frequentadores dos bares feirenses costumam ser abordados por incontáveis ambulantes. Vendem de tudo: amendoim cozido ou torrado, meias, cintos, pen drives e cd´s, capas de celular e mais uma infinidade de quinquilharias. A maioria é homem que, com a crise, perdeu o trabalho modesto e foi forçada a recorrer a essas empreitadas pelas ruas feirenses. Às vezes, vêem-se mulheres, mercadejando os mesmos produtos.
Profunda e interminável, a crise ampliou muito o contingente de pessoas que tentam sobreviver vendendo coisa miúda pelas mesas dos bares. A pele parda ou preta, a origem periférica, a instrução escassa e a distância do mercado formal de trabalho são características comuns. Tragicamente, a faixa etária vem se ampliando: quem observa com alguma atenção nota que cresceu – e muito – o número de crianças nessas atividades.
Boa parte é bem jovem: há meninas que não chegaram, sequer, aos 10 anos de idade; alguns adolescentes apregoam, súplices, seus produtos, mas já exibem traços de revolta no lábio contraído e no olhar arisco; quase todos circulam andrajosos e não é raro se ver criança descalça pisando o asfalto pegajoso das ruas feirenses.
- Tio, compra pra me ajudar...
É a forma mais comum de abordagem. Às vezes insistem um pouco mais, com aqueles trejeitos tipicamente infantis. Então seguem adiante, em muitos casos sob o olhar atento de um adulto que explora esses infelizes. O drama do trabalho infantil sempre esteve presente no centro da Feira de Santana. Mas vem se acentuando desde 2015, com o início da recessão, conforme apontado. Aumentou também a quantidade de mendigos e pedintes, o que inclui crianças, até mesmo de colo.
Em momentos como esse as iniciativas de proteção social deveriam ser fortalecidas. Mas, no Brasil e na Feira de Santana, aconteceu o contrário: caiu o número de famílias que contam com benefícios como o Bolsa Família. A austeridade seletiva abalroou justamente os mais pobres e ajuda a amplificar a miséria.
Piorando tudo, está aí Jair Bolsonaro (PSL-RJ) defendendo o trabalho infantil. Muitos julgam que suas declarações polêmicas são tentativa de encobrir a desastrosa gestão que ele conduz com exímia imperícia. Pode até ser. Mas não deixam de refletir a visão de mundo do controverso mandatário e o papel que ele vê reservado para os mais pobres.
A miséria e a exclusão estão aí, visíveis aos olhos de todos. Espantosamente, não existe nenhuma proposta para contê-las, atenuá-las. Ao contrário: as medidas draconianas adotadas nos últimos anos tendem a tornar tudo muito pior. Teto de gastos, revogação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desmonte da Previdência e sucateamento dos serviços públicos integram o roteiro da exclusão.
E crianças que deveriam estar na escola vagam entre as mesas dos bares, confirmando que, no Brasil, o futuro se parece cada vez mais com o passado...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da