Na
segunda-feira (26), a Feira de Santana viveu um dos momentos mais polêmicos do
prolongado épico que envolve o festejado Shopping Popular, que está sendo
construído ali na área do malcuidado Centro de Abastecimento. Inconformados com
taxas e valor de aluguel, um grupo de camelôs e ambulantes marchou pelas ruas
do centro da cidade, levando sua insatisfação para a Câmara Municipal. Foram
recebidos pelos vereadores que, desta vez, não puderam ignorar o quiproquó cujo
desfecho está longe do fim. Pelo contrário: tudo indica que, mesmo depois da
entrega formal, as altercações vão prosseguir.
Quem
sobrevive há décadas pelo calçadão da Sales Barbosa, pela praça Bernardino
Bahia, pela fervilhante Marechal Deodoro, pelos estreitos becos de gastas
pedras portuguesas provavelmente não tem como arcar com os custos estabelecidos
para quem vai se instalar no afamado entreposto. Principalmente porque a
economia brasileira não deslancha, apesar e todas as promessas dos empertigados
ministros de plantão.
Caso um
permissionário qualquer não consiga pagar as taxasestabelecidas – cada metro
quadrado sairá pela bagatela de oitenta reais – vai perder a concessão, é o que
deve constar no contrato. E aí? Aí a empresa que administrará o entreposto
poderá repassar a vaga outro interessado. Normalmente é assim que funcionam
contratos do gênero, assinados todos os dias mundo afora.
Maso que
o permissionário inadimplente – camelô ou ambulante até outro dia – vai fazer
da vida? Aí surge um problema espinhoso. E, pelo que se percebe no noticiário,
ninguém se dispõe a oferecer uma resposta, pelo menos até aqui. O silêncio
indica que caberá a ele se virar sozinho. Noutras palavras, retornar à
roda-viva da precariedade atual, que muitos conhecem bastante bem.
Soluções
Talvez
haja aí, na praça, um criterioso estudo determinando quanto os ambulantes podem
pagar, em média, e, por outro lado, qual o valor mínimo de toda a
infraestrutura oferecida pelo Shopping Popular. Ajustando-se oferta e demanda,
reduz-se o risco de inadimplência e, por consequência, garante-se que o
problema será minimizado. Mas será que houve esse levantamento? Caso exista,
falou-se pouco nele. E os manifestantes do dia 26 não se julgam contemplados.
Em meados
dos anos 1970, quando o Centro de Abastecimento foi inaugurado – sob a retórica
do progresso e do desenvolvimento – prometia-se a mesma solução de agora: alocar
todo mundo que mercadejava pelas ruas centrais da cidade no novo entreposto.
Como se percebe, não deu certo.Ironicamente, quarenta anos depois, busca-se a
mesma solução para o mesmo problema. Talvez fosse recomendável se pensar
noutras alternativas.
É claro
que o perfil do camelô e do ambulante mudou. Naqueles tempos, o cidadão vendia
a fruta, a verdura, o legume, a literatura de cordel, a carne, os artigos de
couro para a lida do sertanejo. Hoje, majoritariamente, quem tenta a sorte apregoa
a infinidade de produtos chineses que o Brasil importa e o brasileiro consome
com sofreguidão. A dinâmica, porém, é a mesma.
Tendências
Então, se
houver uma acentuada inadimplência no novo entreposto? Qual vai ser a solução?
A não-solução já foi mencionada acima: ignorar o problema. Nem é preciso tanta
intimidade com a questão para deduzir que – tudo indica – a tendência é que o
trabalhador tente voltar para a Sales Barbosa, a Bernardino Bahia, a Marechal
Deodoro. Exatamente como aconteceu décadas atrás.
Viria,
portanto, um novo ciclo de tudo que já se viu: precariedade, desorganização, ação
do “rapa”, truculência e, por fim, uma inevitável acomodação. E – Quem sabe –
em três ou quatro décadas surjam os mesmos debates e se aponte para as mesmas
soluções. Parece piada, mas desde já é possível antever a hipótese. A não ser,
claro, que a prometida revitalização do centro da cidade saia do papel e a
gentrificação se torne regra.
O fato é que mobilização de
camelôs e ambulantes não pode ser ignorada e o diálogo contínuo é
imprescindível. Há milhares de feirenses dedicados ao ofício árduo de
mercadejar pelas ruas, porque não dispõem da alternativa melhor.
As hipóteses levantadas por muitos não são mero exercício de “futurologia”, mas
fundamentadas possibilidade que o médio prazo tende a confirmar.
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