Pular para o conteúdo principal

Vizinho Uruguai é referência democrática na América do Sul

É sempre prazeroso caminhar pelas ruas de Montevidéu, a capital do vizinho Uruguai. A cidade se irradia a partir da ciudad vieja – o centro antigo, que abriga o porto e imóveis imponentes, históricos – se estendendo ao longo do Rio do Prata, caudaloso, interminavelmente largo, com suas águas ora barrentas, ora plúmbeas. O prazer é mais intenso a partir da primavera, quando o inverno rigoroso é sucedido por um período de frio suportável e sol radioso. Andar, então, pelas calles pontuadas por plátanos, implica em satisfação adicional.
Geograficamente, o Uruguai se espreme entre dois gigantes: a Argentina e, sobretudo, o Brasil. Foi, inclusive, palco de intensas disputas entre os portugueses e os espanhóis, que acabaram prevalecendo, isso séculos atrás, no período colonial. Essa disputa contribuiu – e a histórica cidade de Colônia atesta, com sua arquitetura híbrida, inspirada nas tradições das duas outrora poderosas nações ibéricas – para forjar o aguerrido espírito da população do pequeno país platino.
Mas o que torna o Uruguai pitoresco, hoje, não é o seu passado, mas o seu presente. Pode-se afirmar – sem nenhum medo de errar – que se trata da nação politicamente mais estável da América do Sul. Desde que o País restabeleceu a democracia nos anos 1980 – após uma ditadura militar que constitui praxe na América Latina – eleições vem se sucedendo, com invejável estabilidade de suas instituições.
Enquanto praticamente toda a América do Sul flerta com aventuras com persistente regularidade – e que, não raro, bordejam o descalabro –, o País alterna governos com distintas visões ideológicas, sem sobressaltos ou surtos autoritários. Ao contrário: lá, as instituições exibem uma solidez pouco perceptível pelas conturbadas cercanias.

Desigualdades

Quem visita o País vizinho constata que não existem favelas – aquelas aglomerações urbanas que o cinzento linguajar burocrático no Brasil classifica como subnormais – e o que prevalece são residências de classe média. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País é considerado alto: 0,804.
O Índice de Gini – que mensura a desigualdade – sinaliza para redução consistente: caiu de 43,60 em 1981 para 39,70 em 2015. Quanto menor o índice, melhor é a distribuição da riqueza. O Brasil, por exemplo, ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar o patamar uruguaio: entre 1981 e 2015 até houve queda, de 58,0 para 51,3. Mas, conforme se vê, estamos distantes do padrão do país vizinho.
Lá, o percentual de trabalhadores informais – aqueles que não contribuíam com a seguridade social – correspondia a apenas 23,5% em 2014. Isso se traduz em maior acesso ao direito à aposentadoria no fim da vida, o que contribui para uma sociedade mais equânime. E se reflete nos indicadores mencionados acima e, sobretudo, na qualidade de vida da população.

Agenda Pública

A condição de sociedade mais desenvolvida permite aos uruguaios discutir temas que, nas cercanias, só devem entrar na agenda pública daqui a muito tempo, se o fizerem. É o caso do incentivo à imigração ou à geração de filhos – a população lá vem envelhecendo – para repor a força de trabalho, que vem declinando. É questão normalmente discutida na Europa, mas que já envolve os uruguaios, preocupados com sua economia. Ao contrário dos países vizinhos – que tratam a questão com xenofóbica passionalidade – a imprensa local aborda a delicada questão com o equilíbrio desejável.
O aquecimento global – alvo de deboche na vizinhança semibárbara – preocupa o País, que se vê sob o risco de ver seu território encolher com o avanço do mar, com prejuízos para sua pujante agropecuária. Ressalte-se que o Uruguai produz alimentos em quantidade suficiente para alimentar mais de 20 milhões de pessoas por ano, cerca de sete vezes a sua população.
É visível que, por lá, o debate se dá sob a saudável separação entre Estado e religião. O misticismo grosseiro das redondezas não contamina o país, que recentemente autorizou a venda da maconha para fins recreativos – reduzindo a potencial influência do crime organizado – e que não cultiva o hábito de perseguir minorias. O Uruguai trata-se, então, de um paraíso? Evidentemente, não. Mas é indiscutível que a nação vizinha consegue se manter acima da linha da barbárie que vai se disseminando mundo afora.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da