O
cidadão aguardava o ônibus num daqueles pontos da Avenida Maria Quitéria e, às
vezes, espichava o olhar para o asfalto que tremulava em ondas de calor. Foi
numa tarde incandescente dessa primavera que começou abrasadora. Na cabeça um
boné surrado, encardido. A camisa social de manga curta e a antiga calça jeans
também denotavam uso constante. O rosto – de profundos sulcos rugosos – se
contraía no esforço de atenuar a luminosidade incômoda. Às vezes lançava um
olhar esperançoso, ansioso pelo ônibus que teimava em não aparecer.
-
...Haja paciência...
As
mãos calosas empunhavam um envelope de papel pardo: provavelmente havia, ali
dentro, documentos. Reclamei do calor e
ele concordou com veemência. Seguia viagem para um daqueles residenciais do
Minha Casa Minha Vida, mas o ônibus demorava. Reclamou das idas e vindas para
tentar um emprego, levando e trazendo papel, ouvindo negativas, amargando a
espera por telefonemas que nunca se concretizavam.
Era
gente do campo que, na Feira de Santana, enveredou pelos diversos ofícios da
construção civil. Daí as mãos calosas, o tronco levemente arqueado e a pele
clara crestada pelo sol inclemente. O cabelo liso rareava, via-se apesar do
boné. Compunha o rol dos mais de dois mil trabalhadores feirenses que, na crise
econômica que eclodiu em 2014, perdeu o emprego formal na construção civil.
Reclamou
da escassez de dinheiro, da família enfrentando dificuldades desde que a época
de bonança findara. O genro e a filha estavam desempregados também, havia netos
pequenos que exigiam cuidados. Falava e lançava o olhar para aquelas árvores do
canteiro central da Maria Quitéria.
-
Dureza...
Constatou
que viver custa caro: além de comer, beber e ter o que vestir, existem outras
necessidades. O teto para se abrigar, as incontornáveis contas de água e de
energia elétrica, as despesas com transporte, com medicação. O olho brilhou
quando recordou o sabonete, o papel higiênico, o crime dental, o desodorante.
Tudo muito caro para quem marcha desempregado e toca uma casa com mais gente.
Indaguei
pelas eleições que, naquele momento, se avizinhavam. Fez uma careta de desdém e
manteve o olhar perdido. Revirava recordações, o rosto denunciava o cansaço
pelo calor e, talvez, pelas marchas infrutíferas. Ficou intermináveis segundos
ruminando a frase, parecia que já tinha esquecido o interlocutor. Mas, enfim,
se voltou e anunciou num tom lamentoso.
-
Tinha que ter solução pra crise, né? – soltou, voltando a ficar calado.
O
papo morreu por um interminável minuto. As árvores balançavam suavemente,
sacudidas por uma brisa ardente. E, por fim, o ônibus despontou. Quando ele
embarcava, notei que a carteira de trabalho repousava no bolso traseiro. As
bordas estavam gastas pelo manuseio.
A estatística mais recente
do Ministério do Trabalho indica que, no ano, foram gerados 909 empregos na
Feira de Santana até agosto. Nenhuma dessas oportunidades alcançou aquele
brasileiro persistente que se aboletou no ônibus e seguiu viagem em direção à
esquecida periferia da Feira de Santana.
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